A interiorização de conceitos na fase de aprendizagem, em idades pré-escolares, confrontada com as informações obtidas em casa, leva por vezes à confusão dos miúdos.
Na pré-escola a professora ensinou aos pequenos “aquele que escreve nos jornais é um jornalista”, entre outras profissões de carácter lógico, com ligação do sujeito ao objecto.
Conhecendo a faceta do pai, enquanto colaborador nas páginas deste jornal, o meu filho ficou confuso. Duvidou dos ensinamentos caseiros. O meu pai é jornalista – pensou. À noite, em casa, esperou a minha chegada e mal me viu, disparou:
- Pai, tu és jornalista!
Atónito, perguntei-lhe quem lhe tinha dito tal coisa, pensando ser a confusão motivada pela informação de algum colega, cujos progenitores pudessem ser leitores ou assinantes das páginas deste jornal.
- A Fernanda (educadora)!
Ainda lhe perguntei se por acaso era leitora do jornal.
- Não, apenas me ensinou as profissões e como tu escreves no jornal, és jornalista!
Pois!
A face visível da minha vida provoca destas confusões. Lá expliquei ao Manel que num jornal não escreviam apenas e só jornalistas. Existem outras pessoas que escrevem sobre vários assuntos, sendo designados como cronistas, analistas, comentadores (deixei de fora articulistas e colunistas, para não o confundir ainda mais), não sendo propriamente jornalistas.
Não sei se ficou muito satisfeito com a explicação, se calhar, tinha gostado mais que eu lhe tivesse dito que sim.
Optei por não tentar a forma oficial, colaborador, sobretudo pela dificuldade em associar o termo com o objecto, em substituição da correcta associação, a acção.
Terminei a relembrar-lhe a profissão do pai e as várias vezes em que lhe mostrei, em determinadas lojas, o produto comercializado e produzido na empresa em que o pai exerce o seu real ofício.
Se o meu filho na inocência dos seus seis anos tem dúvidas, embora a conversa as tenha parcialmente dissipado, imaginem o que se passará na cabeça da irmã de apenas quatro anos? Para ela, sou essencialmente “arranjador”, definido por aquele que arranja - em geral, brinquedos. É claro que as minhas qualificações vão-se alterando com a tarefa a executar e a ocupação conhece outros nomes, seguindo a lógica da ligação do sujeito ao verbo. Por vezes, fico com o rótulo de cozinheiro, quando me dedico a aquecer no microondas, algum prato pré confeccionado. Pouco mais sei, reconheço.
Sendo o bricolage doméstico uma função com um grau de ocupação elevado, tarefeiro seria o título supremo que poderia obter em casa. Curiosamente, rima com o grau académico da minha licenciatura e como defendeu o nosso primeiro, é socialmente assim aceite e utilizado.
Títulos à parte, voltando às dúvidas do meu filho, segundo o Tomo IV do Dicionário Hoauiss da Língua Portuguesa, jornalista é aquele “que trabalha como redactor, repórter, colunista ou director em órgão de imprensa ou programa jornalístico na rádio ou na televisão”. Portanto, para que não fiquem dúvidas, não sou.
Caso pensasse que o meu contributo ocasional pudesse ser considerado jornalismo, estava enganado. A palavra anterior a jornalista no mesmo dicionário é precisamente jornalismo e está definido “por actividade profissional que visa colectar, investigar, analisar e transmitir periodicamente ao grande público, ou a segmentos dele, informações da actualidade, utilizando veículos de comunicação(...)”. Como podem ver tenho dificuldades em integrar-me nesta definição, logo na terceira palavra.
Resta-me continuar a escrever como amador, sem carreira, nem carteira profissional. De nada me servirá colectar, investigar, analisar e transmitir dados, porque serei sempre colaborador no jornal.
Já agora, segundo o referido dicionário, no Tomo II, colaborador é “aquele que escreve artigos para uma publicação periódica sem pertencer ao corpo permanente dos seus redactores”. Colaborar é, no mesmo contexto, definido como “escrever artigos”.
Simples, não é?
Fico perplexo quando os leitores vêem outras intenções na minha escrita.
(a publicar no dia 26/04/07)
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