terça-feira, julho 22, 2008

Conto de Verão

            Numa tarde quente de verão, Marta e Francisco encontravam-se sozinhos junto à piscina do hotel. Os hóspedes estavam recolhidos, por ser hora de almoço e o grupo de amigos, que os acompanhava no fim-de-semana, tinha saído para uma refeição, num restaurante muito conhecido na zona.

            Marta optou por ficar. Pretendia evitar as confusões daqueles espaços, não estava preparada para aguentar as esperas e ouvir os ruídos normais destas salas. Como estava recentemente separada, os amigos não insistiram. Marta pediu a Francisco para lhe fazer companhia. O amigo de sempre aceitou com agrado o convite. Era uma oportunidade para colocar a conversa em dia, ouvir os lamentos da amiga e poder ele próprio explicar os pormenores do seu falhado casamento.

            Francisco era um bom ouvinte. Escutava com atenção a amiga, sem interromper. Ajudava a terminar frases se fosse caso disso e fazia perguntas de forma frontal, o que não permitia a Marta refugiar-se em qualquer segredo. Por seu lado, Marta não estava com capacidade para fixar as palavras do amigo. Ouvia e respondia às perguntas mas, não prestava atenção ao que Francisco lhe contava, relativamente ao seu divórcio. Todas aquelas questões legais da partilha de bens, da guarda dos filhos, da tença, lhe escaparam. Fixou os motivos que levaram o amigo a separar-se, mais para poder comparar com o seu caso, ou então, por ser nessa fase em que se encontrava a sua relação e por aí permaneceria, pois não tinha qualquer filho.

            A separação é irreversível – disse Marta a Francisco. Motivado não se sabe bem porquê, provavelmente pela decisão da amiga e pelo seu estado de descomprometido, Francisco contemplou, como há imenso tempo não o fazia, a beleza da sua amiga. Sempre a admirara, sempre a apreciara, embora nunca tivesse sentido por ela nada senão uma profunda amizade.

            A conversa prosseguiu para outros temas. Pelo meio um cigarro ou outro. Francisco sentiu-se portador de uma oratória sedutora. Como se finalmente, Alonso de Quijano tivesse encontrado a verdadeira Dulcineia de Toloso e pudesse expressar todos os seus sentimentos, as boas intenções para com a sua dama, sem precisar de evocar os seus feitos enquanto cavalheiro da Mancha.

            Sem interromper o desenrolar da conversa, vieram as palavras de galanteio de Francisco. Ao ver um sorriso na boca de Marta, Francisco prontamente disse: “O teu sorriso é o inicio de uma grande perfeição”. Marta sorriu de novo. Seguiram-se mais uma série de piropos, dos quais Marta só reteve alguns: “O arco do teu lábio superior é tão perfeito que parece que foi cinzelado”; “A sensualidade começa no teu peito”. Ao ouvir estas frases Marta começou a ficar confusa. Não percebia onde queria chegar Francisco. Os seus elogios eram agradáveis de ouvir mas, naquele momento da sua vida, eram inoportunos.

            Marta interrompeu a conversa, sugerindo um banho. Sabia que Francisco não apreciaria o convite e assim, ficaria sozinha na piscina por uns momentos.

            Depois de umas braçadas, decidiu mergulhar para o fundo da piscina. Sem esforço ali chegou. Sentia-se bem, sem ouvir conversas, longe de todos. Deitou fora o ar. Aguentou-se sem se preocupar em subir. Ficaria lá. Verificou que não iria fazer algum esforço para voltar a respirar. Sem pânico, esperou pela sua hora.

            Os primeiros ruídos que ouviu, pareciam-lhe uma respiração forte, dentro de si. Abriu os olhos e viu Francisco desesperado a tentar animá-la. Desviou a cara, a água, que propositadamente se alojara em local errado, vinha para fora. Francisco não falava, abraçava-a de modo fraternal. Um dos empregados do hotel, perguntara se seria preciso chamar o 112. Marta negou com a cabeça. Francisco agradeceu a atenção e apelou à descrição dos funcionários. Mais nenhum hóspede se apercebera do sucedido.          

            Ficando a sós com Marta, Francisco ousou perguntar-lhe se estava bem. Marta disse-lhe que sim e não lhe deu mais explicações. Voltaram para as espreguiçadeiras. Francisco ajudou Marta a sentar-se e embrulhou-a com a toalha. Entretanto, enxugou-se do banho forçado. Ficaram em silêncio.

            Francisco não resistiu e quebrou o sossego: “Jamais pensei tocar nos teus lábios. Não era preciso isto…” Marta interrompeu-o: “Francisco, por favor, esse tom perturba-me. Não estou preparada para questionar a nossa relação.”

            Francisco sentou-se, acendeu um cigarro e pediu desculpa pelas suas palavras. Entretanto, chegaram os amigos do almoço. Francisco pediu a Paula, companheira de quarto de Marta, para olhar por ela, pois a amiga não estava muito bem.

            As duas amigas subiram e Francisco aceitou o convite dos amigos para um jogo de snooker. 

            Durante o restante tempo que permaneceram com o grupo, os dois amigos evitaram-se. Trocaram apenas algumas palavras, circunstanciais, apesar de Francisco procurar agradar a Marta, em gestos e discrição. 

            Separados, terminado o fim-de-semana, Marta recebeu uma série de mensagens do amigo. Apenas respondeu a uma delas secamente, dizendo encontrar-se bem. Evitou as chamadas de telemóvel, a insistência de Francisco em lhe falar.

            Face a este prolongado silêncio, nada mais restou a Francisco senão aceitar e esquecer todo o episódio, aproveitando o que restava do Verão.

 

(a publicar dia 24/07/08)

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