O coelho, atendendo à utilização do seu pêlo como matéria-prima na indústria de chapelaria, teve certamente uma importância na história de S. João da Madeira.
A necessidade de abastecer as máquinas de feltros, acompanhando a grande quantidade de encomendas de chapéus recepcionadas na indústria local, provocou certamente uma enorme existência de coelhos nas redondezas. A sua criação esteve sempre facilitada pela capacidade de reprodução da espécie.
O crescimento de unidades industriais de chapelaria, não terá permitido aos criadores de coelhos proceder a uma selecção metódica da espécie, melhorando-a com o objectivo de encontrar uma relação óptima de peso e a qualidade de pêlo. A lógica de entrega, em quantidades sucessivas, foi certamente o que imperou no fornecimento à indústria local. Ainda são visíveis, nas traseiras de moradias mais antigas, vestígios dessa época de grande criação doméstica.
Anos mais tarde, o desuso do chapéu, a consequente diminuição da produção de feltros, introduziu um novo factor na criação de coelhos, levando à redução do número de existências, apesar da grande capacidade reprodutora - uma gestação da coelha demora apenas 31 dias, nascendo ao fim desse período 4 ou 5 crias.
Factores como a qualidade do pêlo, provenientes de espécies existentes noutros países, ou mesmo de outros animais, originando chapéus diferenciadores, terão contribuído para uma estagnação do número de coelhos nesta região, embora, longe de qualquer perigo de extinção, naturalmente.
O raciocínio da produção vertical, com controlo total das matérias-primas e do produto final, encontrando-se soluções de venda para fases intermédias, permitiu que fosse encontrado no coelho, pela sua importância na arqueologia industrial, o prato típico da gastronomia de S. João da Madeira.
Qual a forma de o preparar e servir, não consegui apurar. Receitas de coelho, segundo a Associação Portuguesa de Cunicultura, existem 48 diferentes. Poderia reproduzir alguma exemplificando, só que não sou grande apreciador desta carne, pelo que além da maçada provocada aos leitores, não teria qualquer prazer pessoal na transcrição.
Para a confeitaria, numa região rica em doçaria – fogaça, pão-de-ló, entre outras – foi eleita a torta de cenoura. Um pouco arrojado, mantendo-se a ligação ao coelho, desta vez, às suas preferências alimentares.
Acontece que em casa dos meus pais, uma das sobremesas de eleição confeccionada é precisamente a torta de cenoura. Não deixa de ser curiosa a coincidência, atendendo a que os meus progenitores vieram para S. João da Madeira há quase cinquenta anos.
Em festas familiares era um dos doces mais aguardados. No momento de o servir, o meu pai aumentava a ansiedade das crianças sentadas à volta da mesa. Pegava na faca e perguntava quem queria. Educadamente respondíamos um bocadinho. Assim era servido. Um pequeno pedaço, correspondente a um terço, ou menos, de uma fatia normal. Desapontados e não percebendo o jogo, voltávamos a pedir outro bocadinho… A brincadeira repetia-se, longe de imaginarmos que aquele doce seria proposto para emblemático da terra que nos viu crescer.
(a publicar no dia 18/03/10)
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