A redução da edição do presente ano da Festa do Parque à sua componente religiosa, pode ser interpretado como um sinal da crise social instalada na cidade. Este ponto de vista, extremamente realista, demonstra o sentimento generalizado que se vive em S. João da Madeira, em consequência do encerramento de indústrias, de lojas comerciais, elevando o número de desempregados, pela quantidade de imóveis devolutos, pelas valências de Estado entretanto encerradas e para alguns pelo desaire do clube de futebol. Pode-se contrapor estes argumentos dos arautos do pessimismo, pela oportunidade criada para a modernização dos hábitos culturais da cidade e dos seus habitantes.
Em pequeno fui alguns anos à Festa do Parque. Os divertimentos, as farturas, as pipocas, o algodão doce seduziam-me. Praticamente era a única festa da então vila. O S. João da Ponte tinha poucos divertimentos, sofrendo da concorrência da festa na cidade do Porto. A Festa grande, como era conhecida, só se realizava em alguns anos e portanto, a ambição de quem aqui tinha nascido era ir até ao Parque. Com o avançar dos anos, o espírito crítico apareceu. O conhecimento de outras festas, da oferta de outros e melhores divertimentos, demonstraram que a Festa do Parque não era o universo perspectivado na infância. Deixando de frequentar assiduamente o Parque a partir da adolescência, em virtude do encerramento do tanque piscina, tive vários anos sem qualquer aproximação à festa. Apenas há alguns anos, num fim de tarde, em que a família procurou o parque infantil ali instalado é que pude constatar que tudo estava igual. As barracas, as suas mesas, o tipo de divertimentos e as estruturas que os albergavam eram a marca de um tempo. No meu imaginário infantil tudo aquilo fazia sentido, só que passados mais de trinta anos, os tempos são outros. As crianças, os jovens e os adultos têm contacto com melhores formas de lazer e ir ao Parque, à festa, deixou de ser sedutor para grande parte da população local. Mesmo os concertos de fim de festa perderam o encanto do passado.
Este ano prevaleceu o sagrado sobre o profano. A dicotomia das festas populares reduzida à perspectiva religiosa. Muitas festas aliam a componente religiosa a um motivo pitoresco, casos das tradicionais procissões das Fogaceiras ou dos tabuleiros em Tomar. Não esquecendo que as festas de Santo António em Lisboa – com as suas marchas alegóricas - e do S. João do Porto - com os martelos – têm um forte carácter de irreverência. A norte existe uma forte tradição de festas religiosas. Viana do Castelo, Amarante e Ponte de Lima, procuram sempre superar-se, embora seja difícil igualar o momento da Vaca na Corda nesta última localidade. A sul, os ornatos florais de Campo Maior, mesmo ocasionais são o expoente das festas populares, sabendo-se que estas se realizam quando a população o deseja.
Um pouco por todo o país, surgiram apelos à mobilização dos cidadãos. Com esta modernização criaram-se imensas festas e festivais onde os habitantes passaram de meros espectadores a participantes, o que garante a continuidade dos eventos e o sucesso dos mesmos. Nesta perspectiva, a “Tomatina”, festa realizada na pequena localidade de Buñol em Espanha, conhecida pelo atirar de tomate entre uns e outros, projectou-se globalmente e é hoje um caso de grande sucesso turístico, sendo o pólo das festas bizarras.
A modernidade, a participação e a inovação, suportados na tradição de cada localidade, são o oposto do que se encontra na maioria das festas do nosso país.
Os vendedores ambulantes sem novidades, nem grandes preços, as diversões sem segurança, que fazem as festas serem badaladas pelos piores motivos, não são apelativos para ninguém que viva em conceito urbano. Demonstram a passividade, a indiferença e a resignação da população perante o que os rodeia.
(a publicar dia 27/05/10)