Espectador
A passividade é a principal característica do assistente num evento. No cinema, o espectador apenas contempla. Em concertos ou no teatro, a interacção com o palco varia conforme o tipo de espectáculo. As tradicionais palmas - sinónimo de apreciação - foram sendo substituídas por maiores participações da assistência e o público passou a ter uma maior actividade.
Em tempos, a televisão também promoveu a passividade. Na época do canal quase único, sem cor, quem ligava a televisão não tinha escolha. Recordo as tardes de sábado assistindo aos duelos com espada esgrimidos por Errol Flynn, aos numerosos tiros por minuto de John Wayne e dos gritos selvagens de Tarzan. A opção duplicou com o alargamento de horário das emissões do segundo canal – ainda assim, várias pessoas têm recordações semelhantes ao enumerar séries televisivas seguidas nesse período (já a cores): os miúdos em férias no Verão Azul; as aventuras do opiómano Holmes e o seu elementar companheiro; um detective zarolho que não largava a sua gabardine; e claro, os estudantes de uma escola de artes. Entretanto, chegaram os videogravadores – passou a ser possível seguir um canal e gravar outro, ou então, sair de casa e gravar um programa – enfim, as opções aumentaram, sobretudo com os alugueres em vídeo clube. A partir dessa época, o resumo da visualização da noite televisiva anterior deixou de ser comum.
Na televisão, o espectador deixou de lado a passividade com o zapping. Parabólicas, com canais estrangeiros, a seguir os canais privados portugueses e mais tarde, o serviço por cabo, ofereceram programações diferentes ao alcance do comando de cada um. A escolha de canais ao gosto de cada família ou de cidadão, pois cada lar possui em média mais do que um aparelho de televisão.
Ser espectador é não tomar partido. É assistir, testemunhar. Apesar da cada vez maior interactividade, um concerto de orquestra é apreciado pelo seu todo. Um solista merece aplausos mas, o resto da orquestra não fica esquecida, nem os instrumentos graves com “tão pouco romantismo”, como apregoa Ana Bacalhau dos Deolinda.
Como espectador faço a escolha do que quero consumir. Sigo padrões estéticos, ouso envolver-me de vez em quando com uma novidade, alargando assim, o meu gosto cultural, sempre cautelosamente. No cinema, por exemplo, tudo mudou quando vi Amacord de Federico Fellini. O realizador italiano passou a ser o meu preferido, exageros típicos de adolescente. Consumi a sua obra praticamente em retrospectiva, as tristezas de Cabíria, 8 e qualquer coisa, A doce vida e os restantes palhaços… Ao vazio provocado pela sua morte, seguiu-se a fixação em Rohmer, pelo seu conto de Verão e não só. Pelo meio, assisti a belos momentos de cinema, a alguns dos meus filmes preferidos, como o fabuloso destino daquela francesa ou, para não me situar apenas na Europa, apesar do excelente Adeus a Lenine, não posso deixar de referenciar a transformação do actor pistoleiro em mestre da realização.
Se, como espectador de cinema, consigo deslumbrar-me com a oferta, com o humor subtil, com o romance, com a narrativa, com a restituição histórica, com a imagem, com as actrizes, com o desempenho dos actores e espero passivamente por uma excelente surpresa, já como espectador de desporto sou o contrário. Posso assistir indiferente, via televisão refira-se, a uma clássica regata no rio Tamisa, sem escolher nenhuma das escolas. Incentivo sentado no sofá, qualquer atleta que nade ou corra contra o cronómetro. E nestes exemplos, posso definir-me como espectador. Só que em desportos com bola, passo a adepto: em ténis em função dos jogadores escolho sempre um dos lados para apoiar; em desportos colectivos só conheço um lado. Por isso, qualquer prosa sobre os acontecimentos desportivos e respectivos festejos, os meus incluídos, efectuados no passado fim-de-semana, seriam sempre argumentos de simpatizante da causa e isso pode ferir a susceptibilidade de alguns leitores.
(a publicar dia 13/05/10)
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