quarta-feira, maio 05, 2010

Cêntimo a cêntimo

            Arlindo ia pagar o seu abastecimento de gasóleo e foi surpreendido com a pergunta da funcionária da caixa: É sócio do Porto? Admirado, Arlindo deve ter colocado má cara, pois a funcionária tentou emendar, perguntando se era do Benfica. Sem compreender o interesse da senhora, Arlindo lá respondeu espantado que não. E do ACP é sócio? Sim, sou – respondeu Arlindo. Tem direito a um desconto de seis cêntimos por litro, se apresentar o cartão de sócio. Apresentado o cartão, feito o pagamento, Arlindo agradeceu a preocupação da funcionária e seguiu para o seu automóvel.

            Arlindo comentou o sucedido, fazendo a analogia com os vales de desconto já usados noutras gasolineiras.

            - Todas dão desconto, engraçado.

            - Um valor semelhante do desconto. Nalguns casos o valor de desconto é fixo e para todos os dias, outros casos é só duas vezes por semana e há ainda os que têm apenas um dia com o combustível mais barato.

            Arlindo nem se apercebeu do sucedido. Durante meses aproveitou os descontos e o período de baixa de preço do barril de crude. O gasóleo era barato, com os descontos conseguia preços idênticos aos de Espanha e por isso tudo estava bem.

            Em semanas sucessivas o preço do combustível aumentou. Poucos cêntimos de cada vez, pelas razões de sempre – variação do preço do crude, com rápido acompanhamento nas subidas e esquecimento na baixa do seu valor.

            Em consequência disso, Arlindo viu os descontos a aumentarem. A lógica de venda mudou. A periodicidade passou a ser fixa, todos os dias menos seis cêntimos, acumulados com mais algum desconto, em alguns postos de revenda.

            Só então, Arlindo percebeu. O desconto dos vales corresponde ao acréscimo no valor do combustível, ou seja, na venda mediante a apresentação de cartão de sócios, vales, ou em dias a menor preço, o combustível inflacionado é vendido com menor lucro.

            Munido das novas ferramentas de comparação de preços, Arlindo passou a verificar a diferença no seu distrito, 15 cêntimos entre o mais caro e o mais barato. Arlindo pouco percebe do negócio da venda de combustíveis, dos custos fixos, dos custos com o pessoal, do preço da aquisição da matéria-prima à refinaria. As suas contas são outras, em cada depósito abastecido no posto mais barato do distrito a diferença são 9 euros, para 60 litros.

            - Quase 13% se o combustível for gasóleo, diz Arlindo aos amigos.

            - Ninguém faz descontos permanentes para perder dinheiro.

            - Consta-se que perto da fronteira portuguesa, são já poucos os postos de venda de gasolina abertos, pois a maioria dos portugueses prefere abastecer em Espanha. Qualquer dia, acontece o mesmo no resto do país, ficam apenas a vender as mais baratas e outras encerram.

            - Antes disso, os descontos em alguns postos ficam mais elevados, para que o preço seja mais baixo do que as mais baratas.

            - Será?

            - Já vi anúncios de menos 18 cêntimos.

            - Ena.

 

            Arlindo é um nome fictício. A narrativa e os diálogos são por isso imaginados, tudo o resto não.

             

(a publicar no dia 06/05/10)

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