- Parecias uma prancha de surf a entrar na água.
Terminara a transmissão dos rudimentos básicos de mergulho à minha filha, pés afastados, flecte as pernas, cabeça no meio dos braços e força, atira-te para água. A cada tentativa a melhoria era significativa, por isso decidi ser o momento de eu próprio reeditar o conceito teórico e passar à prática. O resultado foi desastroso. Poderia avançar com várias desculpas, a falta de destreza abdominal, o excesso de gordura acumulada precisamente nessa área do corpo, os ligamentos dos joelhos atrofiados, contudo, aos olhos do meu filho, já exímio a mergulhar, a minha entrada na água ficou classificada como um desastre.
Nas férias foram várias as manhãs a malhar na água. Piscina atrás de piscina. Um estilo para um lado, outro para o regresso. Ao olhar para o fundo, vendo reflectida a minha imagem, lembro os ensinamentos recebidos. O bater de pernas constante transmitido pelo Vítor Cabral. O esticar do braço exigido pelo Augusto Macedo. Baixa a cabeça, Rui – dizia-me o Luís Ferreira. A exigência, na melhoria em nadar cada estilo, era completada pelo objectivo traçado pelo Armando Margalho: 4 estilos, tens que saber os 4 estilos. Uma máxima retida e transmitida agora aos meus filhos. Em cada ano lectivo, vou observando os seus progressos e não me espanto com as melhorias conseguidas, com o aproximar à meta inicialmente definida.
Bolhas, bolhas e mais bolhas. Metros e metros preocupado com o borbulhar. Inspirar e passado um pouco expirar. Os efeitos profiláticos a serem alcançados. O corpo a libertar-se do atrofiamento de uma infância carregada de cortisona. Os excessos no tratamento da água, com doses anormais de cloro e os seus efeitos nocivos, eram minimizados pela boa forma física obtida. Horas naquilo, até um dia…
- A tua cabeça não entra bem na água a nadar bruços.
Primeiro o mergulho, agora corrige-me os erros crónicos. Aproveito a deixa, ponho-o a nadar pedindo-lhe a demonstração. Retalio. Troco de estilo, coloco-o à prova. Não sou capaz de ficar calado. Corrijo-lhe os movimentos. O reset não foi efectuado. Ficou para sempre este gosto de ensinar a nadar, mesmo sabendo pouco. E tão cedo não terei outra oportunidade.
- Baixa a cabeça, Rui.
No fundo da piscina a minha sombra.
- Quando ficas de férias Luís? Só a 9 de Agosto, explicando-me o programa de treinos da Ana Rodrigues, tendo em vista os Jogos Olímpicos da Juventude.
Hora de almoço, saio da piscina, fujo do sol, arrasador. Entro em casa. A Ana Rodrigues ganhou a medalha de bronze, diz-me a minha esposa. Feliz, relembro tudo. Toda a dedicação do meu amigo à natação. Todos estes anos passados. Os pormenores, as tabelas de tempos realizadas às escondidas, os primeiros títulos, a carreira promissora, a perspectiva internacional e o vaticínio elementar da presença nos Jogos Olímpicos de 2012.
Olhei para telemóvel. De férias…
- Baixa a cabeça, Rui.
Servi de cobaia.
No fundo da piscina a minha sombra.
(a publicar no dia 02/0910)
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