quarta-feira, outubro 13, 2010

Jogo de sombras

                Eva aproximava-se da porta, rodava o manípulo e aos seus olhos aparecia sempre a luz da casa de banho acesa. Enquanto se despia, olhava-se ao espelho, compunha-se e se necessário refrescava-se. A seguir, apagava a luz, passava para a ante câmara e abria a porta de acesso ao quarto. Tudo escuro. À sua espera estava Basílio. Chegava primeiro, preparava o cenário para o final de tarde romântico. Deitava-se na cama, sem roupa e aguardava a entrada de Eva. Quando a porta se abria, a luz instantânea vinda da entrada, permitia a Basílio contemplar a silhueta da sua amante. Como combinado, Eva fechava a porta após a sua passagem e dirigia-se para a cama, sem dizer uma palavra. Uma pequena frincha era deixada propositadamente aberta na persiana, permitindo ao casal olhar os contornos do desejo, sentir os corpos e manter esta relação programada, de encontros mensais, iniciada uma noite há 4 anos atrás. No final, Basílio levantava-se, vestia-se e abria a porta do quarto e Eva observava as costas do seu amante. Basílio acendia a luz da casa de banho e passado um pouco saía sem se mostrar, nem se despedir.

                Um dia Eva faltou. Naquele mês Basílio não a viu.

                Rosa entusiasmada com a ideia de apresentar a irmã à restante família, organizou um jantar em casa do casal. À hora certa a nova descoberta da família chegou. Rosa e Basílio saíram para o exterior para receber a familiar. A luz no jardim era ténue. Uma das lâmpadas dos candeeiros apagara-se e entre o muro exterior e a porta da casa, o acesso pelo meio do relvado estava mal iluminado. Rosa descontraída, explicou o sucedido em voz alta, enquanto a irmã se aproximava. Ao seu lado, Basílio sentiu um calafrio ao reconhecer aquela silhueta, vinda do escuro, que se aproximava de sua casa. Rosa avançou para a irmã, abraçando-a. Pelo meio dos braços de Rosa, Eva viu um vulto na entrada de casa. Seria o cunhado certamente. A luz por detrás dele impedia de lhe ver as feições. Entre beijos e mais abraços, Eva viu o cunhado a virar-se de costas, respondendo ao pedido de Rosa, chamando a restante família. Aquele corpo em contra luz?! Eva reconheceu logo o seu amante. Não queria acreditar.

                Apesar da relação familiar, Basílio volta a fazer pressão sobre Eva para retomarem os encontros ao dia 16. Cansada dessa pressão, Eva toma a decisão de ir a casa da irmã, mesmo sabendo que esta não está. Está um final de tarde maravilhoso, de um dia luminoso de Outono. A luz do rio reflecte-se por Alcochete. Atrapalhado, Basílio abre-lhe a porta. Eva atravessa o jardim e decidida entra em casa, dirigindo-se para a sala. Olha o cunhado com reprovação. Mesmo estando com claridade, Eva acciona o interruptor, acendendo as luzes da sala. Dirige-se a um candelabro decorativo e acende as velas. Basílio não a entende. Eva aproxima-se das janelas. Ergue as persianas que estavam meias corridas e abre os cortinados.

                - Esquece Basílio. As trevas terminaram. Olha à tua volta. Eu quero viver com luz, ser amada à claridade e jamais por ti. Entendes?

                Basílio aproxima-se de Eva. Tenta segurá-la, com o objectivo de ela ouvir as suas explicações. Eva liberta-se, empurrando-o com força, saindo em seguida da sala e da casa. Recomposto do empurrão, Basílio sai atrás de Eva, não reparando que o candelabro aceso tinha sido derrubado, estando agora a chama das velas encostadas ao tapete da sala.

 

(a publicar no dia 14/10/10)

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