quarta-feira, maio 30, 2012

Criatividade orçamental

            Na semana passada, nas comemorações do dia da cidade, foram feitas revelações acerca da Casa da Criatividade (acabou-se a indefinição de batismo), permitindo conhecer-se as pretensões da autarquia relativas a plano de atividades e respetivo orçamento deste espaço para os anos imediatos.

Segundo o jornal labor, está previsto realizar-se 40 espetáculos por ano, o que feitas as contas, equivale a um por semana. Existe igualmente a pretensão de “produzir duas peças de raiz”.

Números ambiciosos.

Por outro lado, foram divulgados os números da verba disponibilizada pela autarquia para a dita Casa. Cem mil euros. Um orçamento anual que à primeira leitura pode parecer elevado. Contudo, não é disponibilizada mais informação, não se percebendo se a verba inclui vencimentos, ou se apenas se destina à atividade de programação.

Permanecem dúvidas sobre a sustentabilidade da Casa.

Se optarmos por considerar o orçamento mensal, teremos pouco mais de oito mil euros por mês. Se fizermos o exercício por números de espetáculos a realizar, teremos dois mil e quinhentos euros por evento e deixo de fora as produções caseiras.

Por mês ou por espetáculo, os números ficam pequenos.

Se começarmos a listar as despesas inerentes à programação, como divulgação e “cachet” de artistas; juntando-se as despesas de exploração, como eletricidade e água; acrescente-se a limpeza e manutenção do edifício - o caso complica-se.

Mesmo considerando a vontade da autarquia em esconder os custos com os fluidos, com a conservação e em suportar os vencimentos do pessoal inerente ao funcionamento da Casa da Criatividade, enquadrando todas as rubricas no Orçamento Municipal, verificamos que é necessário um grande encaixe de bilheteira, para o equilíbrio financeiro deste equipamento cultural.

A qualidade dos espetáculos condicionará a adesão de público. O preço dos bilhetes será outra das variantes a ter em conta. Sabendo-se que um bom espetáculo é oneroso e que o público local não adere em grande número a bilhetes caros, não faltam inquietações ao responsável pela programação.

Por todo o país, observamos autarquias, que anteriormente reabilitaram espaços culturais, a proceder à desorçamentação dos mesmos. Pela austeridade ou pela constatação de uma realidade não calculada? Uma serve de pretexto a outra. No entanto, existem casos em que a identidade dos eventos é preservada, mesmo reduzindo o orçamento. É o exemplo do Festival internacional de teatro de rua - Imaginarius, organizado em Santa Maria da Feira. A edição deste ano conseguiu promover vários projetos comunitários, envolver artistas locais e estrear em termos nacionais algumas peças, contando com uma boa adesão de público, em especial, na noite de sábado.

Apesar de ter sido mais “baratinho”, o orçamento do Festival – 250.000 euros - é superior ao previsto para um ano de programação da Casa da Criatividade. A comparação finaliza o texto, servindo apenas para o leitor se aperceber da asfixia a que estará sujeita a programação cultural desta cidade.  

 

(a publicar no dia 31/05/12)

 

quarta-feira, maio 23, 2012

Ano 1 AC (antes da criatividade)

         No início da década de 80, a cultura institucionalizou-se em S. João da Madeira. Primeiro com a fundação da Academia de Música e alguns anos mais tarde, através da criação do Centro de Arte. Instituições vocacionadas para a formação, de alunos em idade escolar e de outros curiosos, procurando exibir ciclicamente o trabalho desenvolvido durante o ano letivo, assim como, procurando espreitar outras tendências, organizando-se concertos ou exposições de talentos exteriores à cidade.

Por este tempo, a Biblioteca Municipal Dr. Renato Araújo abria as suas portas à comunidade, promovendo, entre outras atividades, concertos na sua sala de entrada. Cheia em várias sessões, com o público mais jovem a sentar-se pela escadaria acima (eu e mais uns tantos). Lembro-me perfeitamente de assistir a atuações de António Pinho Vargas, Pedro Burmester, Nelly Santos Leite, Gustavo Brandão e se a memória não me falha, arrisco um concerto de Florinda Santos.

A promoção de concertos estava limitada à lotação da Biblioteca, às poucas condições do Auditório Municipal e às insuficiências acústicas dos espaços desportivos, incluindo-se o estádio de futebol, embora, este espaço fosse excessivo para os espetáculos organizados.

A década atrás referida terminou com outra intromissão da autarquia nesta área. A promoção de concertos na Praça Luís Ribeiro, de entrada livre, passaram a fazer parte da época estival de S. João da Madeira. De início, com escolhas de bom gosto e após algum tempo, sem qualquer critério de qualidade, apenas um grande número de atuações, nas noites de sábado e domingo, em palco montado para o efeito.

Na década seguinte esta fórmula foi explorada até à exaustão. Todas as infraestruturas inauguradas para o grande público eram testadas com concertos. Sempre gratuitos, associados às comemorações de datas de significado concelhio. No final desse tempo, as obras da Praça retiraram a música ao centro. O anfiteatro projetado, jamais funcionou. O Jardim para a ponte antevia-se como alternativa para os concertos de borla e o tempo comprovou-o.

Três infraestruturas eram projetadas para os primeiros anos do novo milénio. A transformação do antigo edifício da Câmara Municipal em Paços da Cultura, a criação do Museu de Chapelaria, aproveitando-se as antigas instalações da Empresa Nacional de Chapelaria e por fim, a requalificação do cinema Imperador, dotando a cidade de uma sala de espetáculos.

Apenas os dois primeiros foram inaugurados. A melhoria nas infraestruturas permitiu alargar o leque de eventos promovidos. Associações, escolas e outras instituições dinamizam o novo auditório municipal e tentam desesperadamente captar público para assistir aos seus eventos. O mesmo acontecendo no Museu, com as iniciativas paralelas organizadas por aquele espaço.

O modelo projetado para a nova Sala de Espetáculos pressupõe a continuidade da promoção de eventos associado à Câmara Municipal.

A formação instituída há trinta anos na área cultural persiste. A Academia de Música voltará brevemente ao seu espaço natural, já renovado e ampliado para os próximos anos e o Centro de Arte, apesar de ter sido espoliado, prepara-se para os tempos modernos de parceria e casa nova na Oliva Creative Factory.

A próxima vertente a desenvolver-se na área cultural da cidade é precisamente a da criação. Espera-se que apesar de idealizar, restaurar o edifício e promover a nova incubadora de empresas criativas, a Câmara Municipal de S. João da Madeira saiba ser parceira e não tente condicionar os agentes criativos.

É preferível investir na fidelização de público, procurando que aos eventos promovidos em salas municipais ocorra um número significativo de assistentes.

 

(a publicar no dia 24/05/12)

quarta-feira, maio 16, 2012

Londres a meio segundo

         O cronómetro é em algumas especialidades do desporto, o maior adversário dos atletas. Superar-se, conseguindo uma melhor marca pessoal, passa de objetivo a fixação. A presença em Campeonatos Europeus, Mundiais ou nas Olimpíadas é um prémio para quem se sacrifica durante dias, meses e anos, abdicando de tempos livres, para treinar, treinar, competir, voltar a treinar, treinar, sempre para ser cronometrado em futuras competições. Até que o tempo obtido fica abaixo do exigido e a possibilidade de participar nos campeonatos desejados é alcançada. 

         Uma luta contra o tempo, contra o relógio. Contando-se os segundos. O acumular destes. Procurando ser-se mais rápido que os pequenos impulsos do tempo. Ser cronometrado com rigor digital, com resultados exibindo os décimos, os centésimos e por vezes, os milésimos. Os atletas têm que vencer os submúltiplos de segundo. Pequenos gestos, micro hesitações, uma imprecisão no decorrer de uma competição, impercetível na maioria das vezes e o resultado pode ficar aquém do desejado.

Depois é treinar, treinar até à próxima competição. Melhorar a forma, evitar lesões. Convencer-se de que se é capaz e nada temer na prova seguinte.

Isto é o que vai acontecer em Debrecen.

Os Campeonatos da Europa de Natação decorrem na próxima semana em Debrecen, precisamente na Hungria e Ana Rodrigues, nadadora da AEJ, vai estar presente, tentando reduzir, à sua melhor marca deste ano, apenas 50 centésimos de segundo, para deste modo obter os mínimos para participar nos Jogos Olímpicos de Londres.

Depois da medalha de bronze nos Jogos Olímpicos para a Juventude, realizados em Singapura, em 2010, que encheu de orgulho a comunidade local, Ana Rodrigues teve na época seguinte várias apoquentações, incluindo lesões e dificuldades a nível de local e condições de treino. Ultrapassadas estas contrariedades, a presente época está a ser encarada de forma positiva pela atleta e pelo seu treinador, Luís Ferreira.

Os Campeonatos da Europa não se apresentarão como a derradeira tentativa de conseguir o passaporte para Londres mas, como a prova na qual o meio segundo que separa Ana Rodrigues de Londres deixará de existir.

Escrevo de forma positiva por acreditar.

Antecipo os elogios, do mesmo modo que em 2007, de forma percussora, antevi nas páginas deste jornal o trajeto olímpico de Ana.

Há cinco anos, percebi que os feitos desportivos desta atleta destacavam-se, por apresentarem uma consistência bem diferente dos resultados que faziam a história da natação da AEJ.

Títulos em campeonatos e ótimos resultados nacionais conseguidos por Inês Aleixo, João Bastos, André Bastos, Daniela Azevedo na década de noventa, isto é, um percurso iniciado há mais de vinte anos. No princípio do milénio um esporádico resultado conseguido por Gustavo - cujo apelido perdi - e depois este ciclo de quase nove anos…

Foram vários os protagonistas, que me abstenho de enumerar, onde se destacou a persistência de Ana Rodrigues. O evoluir de resultados – títulos em vários escalões, títulos absolutos nacionais, recordes absolutos, internacionalização – que comprovam a sua ascensão como atleta e o excelente trabalho de Luís Ferreira, como técnico.

O fechar de um ciclo?

O tempo dirá… Contudo, está na forja uma equipa de cadetes na AEJ, o que indica o iniciar de um novo ciclo, que espera-se seja tão frutuoso quanto o anterior.

 

Nota: Acompanhei durante meses as crónicas de António Sousa Homem, editadas por um jornal de Lisboa e apadrinhadas pelo atual Secretário de Estado da Cultura. Pela prosa, do último membro de uma família absolutista, segui as peripécias do século XIX da sociedade portuguesa, as suas divisões, os seus ódios e as suas tolerâncias. A semana passada deu-me preguiça e não consultei as referidas crónicas. Acedi na internet a uma página que me induziu em erro e troquei os factos históricos. A Carta Constitucional outorgada por D. Pedro IV, em 1826, procurava sanear as divergências entre políticos liberais e absolutistas. A Carta relativamente à Constituição de 1822 acrescentava poderes ao rei. Os seus defensores ficaram conhecidos como os Cartistas. Sendo liberais e apenas tolerados pela família de António Sousa Homem, não havia qualquer motivo para a minha confusão. As minhas linhas da semana passada podem ter causado algum desconforto aos leitores, conscientes dos seus conhecimentos de história, daí a retificação.

 

(a publicar no dia 17/05/12) 

 

quarta-feira, maio 09, 2012

A carta

         A guerra entre absolutistas e liberais condicionou o século XIX em Portugal. Anos antes, as invasões napoleónicas, e a consequente resistência, deram o mote para um período sangrento da história do nosso país. As páginas de Camilo Castelo Branco evidenciaram a vocação para o crime do comum cidadão. Ciladas, quase sempre noturnas, ajustes de contas, tiros à queima-roupa, objetos a partir cabeças, tudo é narrado com perícia pelo escritor dos amores impossíveis.

         Libertos de Napoleão, os Portugueses ensaiaram a escrita da sua Constituição. Motivo de discórdia entre regências e seus opositores. Antecedendo a guerra civil, como contraponto absolutista ao documento original, surgiu em 1826 a Carta Constitucional. Os seus defensores ficaram conhecidos para a história como os cartistas, ou simplesmente, os da Carta.

         Quando a partir de meados da década anterior, comecei a ver referências à “Carta”, sobre as demais temáticas em vários concelhos, temi o pior. A sua simples menção fazia recordar tiques absolutistas. Como os partidos dos extremos, não rebatiam o conteúdo daquelas, antes pelo contrário, solicitavam a realização de cartas sobre diferentes assuntos municipais, percebi que os documentos eram bem assimilados e democráticos. Portanto, o seu conteúdo constituía uma importante ferramenta orientadora sobre a matéria analisada.

         As notícias recentes sobre agrupamentos, mega agrupamentos, fecho e fusões de escolas obrigaram-me à leitura da Carta Educativa de S. João da Madeira.

O documento é de 2006, apresenta-se a si mesmo como dinâmico, com necessidade de se proceder a verificações e atualizações periódicas. Identifica pontos fortes e pontos fracos, vaticina oportunidades e prevê ameaças. Serviu, ao longo da última meia dúzia de anos, como justificativo para a construção de novos edifícios e reabilitação de outros, tornando o parque escolar do concelho extremamente moderno e funcional. Se foi útil até agora, não se percebe o seu esquecimento nesta fase bastante controversa do panorama educativo concelhio.

A posição pública da autarquia foi suficiente para serenar os agentes do meio escolar. Contudo, uma tomada de posição veemente ajudaria a clarificar o momento e até a precaver o futuro de algumas escolas.

Todavia, tudo isto não foi suficiente para ensombrar o festival de Teatro, organizado pelo grupo de professores do Espaço Aberto da Escola Dr. Serafim Leite. Durante catorze dias, esta escola extravasou as suas grades e ofereceu à comunidade local um excelente momento cultural. Com sala cheia a assistir a algumas encenações, indicador da adesão e recetividade do público, importa realçar o número de espetáculos interpretados por grupos locais e destacar a capacidade do público para a interatividade, bem patente no arranque do festival.

Para terminar, no domingo ao ouvir o espectável resultado da eleição francesa, segui o conselho de Voltaire, no seu Cândido e dediquei-me ao trabalho. Mantive-me otimista.

 

(a publicar no 12/05/12)