quarta-feira, maio 09, 2012

A carta

         A guerra entre absolutistas e liberais condicionou o século XIX em Portugal. Anos antes, as invasões napoleónicas, e a consequente resistência, deram o mote para um período sangrento da história do nosso país. As páginas de Camilo Castelo Branco evidenciaram a vocação para o crime do comum cidadão. Ciladas, quase sempre noturnas, ajustes de contas, tiros à queima-roupa, objetos a partir cabeças, tudo é narrado com perícia pelo escritor dos amores impossíveis.

         Libertos de Napoleão, os Portugueses ensaiaram a escrita da sua Constituição. Motivo de discórdia entre regências e seus opositores. Antecedendo a guerra civil, como contraponto absolutista ao documento original, surgiu em 1826 a Carta Constitucional. Os seus defensores ficaram conhecidos para a história como os cartistas, ou simplesmente, os da Carta.

         Quando a partir de meados da década anterior, comecei a ver referências à “Carta”, sobre as demais temáticas em vários concelhos, temi o pior. A sua simples menção fazia recordar tiques absolutistas. Como os partidos dos extremos, não rebatiam o conteúdo daquelas, antes pelo contrário, solicitavam a realização de cartas sobre diferentes assuntos municipais, percebi que os documentos eram bem assimilados e democráticos. Portanto, o seu conteúdo constituía uma importante ferramenta orientadora sobre a matéria analisada.

         As notícias recentes sobre agrupamentos, mega agrupamentos, fecho e fusões de escolas obrigaram-me à leitura da Carta Educativa de S. João da Madeira.

O documento é de 2006, apresenta-se a si mesmo como dinâmico, com necessidade de se proceder a verificações e atualizações periódicas. Identifica pontos fortes e pontos fracos, vaticina oportunidades e prevê ameaças. Serviu, ao longo da última meia dúzia de anos, como justificativo para a construção de novos edifícios e reabilitação de outros, tornando o parque escolar do concelho extremamente moderno e funcional. Se foi útil até agora, não se percebe o seu esquecimento nesta fase bastante controversa do panorama educativo concelhio.

A posição pública da autarquia foi suficiente para serenar os agentes do meio escolar. Contudo, uma tomada de posição veemente ajudaria a clarificar o momento e até a precaver o futuro de algumas escolas.

Todavia, tudo isto não foi suficiente para ensombrar o festival de Teatro, organizado pelo grupo de professores do Espaço Aberto da Escola Dr. Serafim Leite. Durante catorze dias, esta escola extravasou as suas grades e ofereceu à comunidade local um excelente momento cultural. Com sala cheia a assistir a algumas encenações, indicador da adesão e recetividade do público, importa realçar o número de espetáculos interpretados por grupos locais e destacar a capacidade do público para a interatividade, bem patente no arranque do festival.

Para terminar, no domingo ao ouvir o espectável resultado da eleição francesa, segui o conselho de Voltaire, no seu Cândido e dediquei-me ao trabalho. Mantive-me otimista.

 

(a publicar no 12/05/12)