Um vendedor de livros em segunda mão, com banca montada no corredor de uma superfície comercial, desperta a minha curiosidade. Leio os títulos expostos. Compreendo a arrumação, a um lado livros a 1 euro, do outro, livros a dois euros. Encadernações antigas, capas amareladas pelo tempo. Essencialmente os livros de autores portugueses são os que me atraem. Dos mais baratos nada me interessa. Na outra seção, vejo as Novelas do Minho, de Camilo Castelo Branco, reparando ser apenas um dos volumes da saga, o que me faz recuar na escolha. Ao lado, repousa um livro sem autor identificado: Leituras ao Serão – antologia de contos. Folheio para me inteirar dos autores da compilação e lá entrego os dois euros ao vendedor.
Alexandre Herculano, Rebelo Silva, Eça de Queiroz, Fialho de Almeida, Trindade Coelho e Raul Brandão, cada qual com pelo menos dois contos, ocuparam-me alguns fins de tarde dos dias de semana. Nos tempos de espera (obrigações de progenitor), aproveito para rever a literatura portuguesa do século XIX e de princípio do século XX. A capacidade descritiva atrai-me, o pormenor é referido constantemente, para enquadrar completamente o leitor na cena e leio-os com satisfação, absorvendo as suas palavras de forma didática.
Páginas relatando as jornadas de transporte: a pé, a cavalo, nalguns casos, mais modernos, de comboio, permitiam verificar as dificuldades de movimentação dentro das várias regiões do país.
A liteira como elemento recetor de imagens.
As paisagens, as cores nelas envolvidas, numa lenta cruzada e sucessão de momentos, permitiam aos autores apurar as suas capacidades de escriba.
A chegada do automóvel revolucionou tudo.
Isso ficou bem demonstrado, no livro publicado, em 1916, por Teixeira Pascoaes, A Beira (num relâmpago). A rápida viagem de Amarante a Arganil, mais o respetivo regresso, em menos de 24 horas, é motivo suficiente para se relatar a “transformação vertiginosa da paisagem”, suscitada pela velocidade alcançada.
Enquanto na literatura, as transformações desencadeadas na sociedade permitiram uma alteração na forma de escrever dos escritores, redefinindo-se géneros literários, a política em Portugal quase nada se alterou.
As melhorias nas redes de estradas, municipais e nacionais, a criação de uma vasta rede de autoestradas; a atrás mencionada, mecanização dos meios de transporte; os meios de informação, rádio, televisão e mais recentemente a internet, permitiram uma melhoria na qualidade de vida dos cidadãos.
No acesso à informação, com o Estado Português a disponibilizar serviços on-line, o cidadão libertou-se da burocracia relacionada.
Perante tudo isto, não é lógico que a Administração Local mantenha-se inalterada, salvo raras exceções, desde a Reforma de Mouzinho da Silveira, de 1834.
Não é compreensível que quase duzentos anos de história, com alterações profundas em todas as áreas da sociedade portuguesa, não sejam suficientes para mudar a Administração Local.
A oposição sistemática à mudança não faz sentido.
Em Lisboa, a Câmara Municipal promoveu uma redefinição das freguesias. Processo praticamente concluído, com parte de uma freguesia de Loures a incluir-se nas da capital. Resta desfazer as acertadas dúvidas do Presidente da Republica, para finalizar uma modernização que decorreu de forma pacífica e sem prejuízo para a população (desculpem a redundância).
O exemplo de Lisboa tem poucos seguidores.
A fusão de concelhos é entendida como uma anexação.
Para a fusão de freguesias nem se equaciona o interesse para a população. A discórdia dos eleitos, nem permite qualquer análise à proposta.
A mudança de freguesias entre concelhos é vista como uma traição, num recuo à época medieval.
Dizem-me os situacionistas que bastaria não pagar senhas de presença aos eleitos, nas respetivas Assembleias de Freguesia e Municipal, que já se reduz o custo da Administração Local, para o valor acordado com os credores do país.
Não fiz as contas.
Se assim for, proponho que se crie esse indicador, reduzindo esta despesa anual ao seu valor diário. Por cada dia que passe, sem alterações à lei da Administração Local, deve-se divulgar esse valor, ao jeito de Mário Crespo: “pela inércia dos nossos eleitos, hoje o país gastou...”
Vou continuar a leitura do livro do nosso conterrâneo Tiago Moita.
(a publicar dia 27/0912)