- My friend.
Em inglês, uma saudação cosmopolita nas tardes da Praça.
Uma mistura de sotaques. Sonoridade semelhante ao de um filme hollywoodesco, ouvindo-se naquele som nasalado a sua proveniência de certa região do norte de Portugal.
- My friend – exclamava o rápido e eficaz Arménio, numa esplanada ainda encostada aos vidros da fachada da Colmeia. Algumas mesas ficavam junto à porta. Às portas. Para não fazer distinção entre os lados do café.
Arménio tagarelava com os clientes, usando expressões em inglês. Numa tarde de Julho, há 25 anos, teve uma surpresa. Os clientes eram Ingleses, provenientes de Newcastle. Estava um calor arrasador e os súbitos de sua majestade pretendiam beber algo bem gelado. Não tinham tradutor. Pensaram que teriam sérias dificuldades em serem entendidos. Nada disso aconteceu. Como bom anfitrião, Arménio teve uma oportunidade de expandir a sua capacidade de comunicar em Inglês. Entre palavras, gestos e demonstrações promovidas na caixa frigorífica, o entendimento foi conseguido.
Os Ingleses estavam satisfeitos, quando os reencontrei. Arménio estava eufórico. Contou-me o sucedido nessa tarde. Explicou-me como se tinha entendido com os estrangeiros e exclamava feliz: My friend.
Nos meses e anos seguintes, por vezes, recordávamos o sucedido.
Por essa época, o tratamento recebido era personalizado. Quando eu me sentava na esplanada, nem era preciso fazer o pedido. O café era entregue na mesa escolhida. Trocavam-se as palavras do momento.
Para isso também contribuíram outros dos homens da bandeja.
O divertido senhor Aníbal. À nossa entrada pelas sete da madrugada de sábado, olhou desconfiado, nada dizendo. Até que a vontade de disfarçar a presença naquela hora, alegando o autocarro matinal para o Porto, fez o senhor disparar “pelas vossas carinhas, não foram à cama”.
O Albino, imparável no turno da noite. Quando algum cliente recusava café, alegando não dormir, Albino rematava: “se o café tirasse o sono, já tinha vendido a mobília do quarto”. Uma tirada ouvida vezes sem conta, no crepúsculo na Praça.
Nessas horas, entre encontros geracionais, sentei-me algumas noites junto à mesa frequentada por vários clientes, um dos quais, o Sr. Custódio (cujo apelido não me ocorre) fez-me despertar a curiosidade. A sua capacidade de narrar acontecimentos e sobretudo, a de captar a atenção dos seus companheiros de mesa, que esperavam a qualquer instante, uma intervenção sua para um momento de humor gratuito, ficou-me como recordação.
Nesta matéria, não posso deixar de mencionar, as entradas triunfais de Paulo Lisboa na Praça. Amigo infelizmente falecido. Paulo aproximava-se da esplanada e os clientes da nossa geração, especialmente, eram todos cumprimentados. Desde esses tempos, devido a esta ligação em comum, passei a saudar muita gente. Pessoas, que então conheci, fizeram parte do meu grupo de amigos e tudo graças à sua aptidão para a comunicação.
Memórias coletivas, escritas na primeira pessoa do singular.
Desse período, evoco ainda a ilusão de que a cidade tinha mudado. O apelo das esplanadas da Praça prolongava-se até princípios de Outubro.
As chuvas do Outono arrefeciam o entusiasmo.
Nos meses seguintes, a fantasia esmorecia.
As esplanadas ficavam vazias.
Ainda é assim… todos os anos.
(a publicar no dia 20/09/12)
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