quarta-feira, fevereiro 06, 2013

Tubarões Azuis

         Sábado passado, tirei a tarde para visualizar o jogo de futebol entre Cabo Verde e Gana, via Eurosport. Às 15 horas, estava em frente ao televisor. Por este canal, futebol, só sigo a Taça das Nações Africanas.
Era a minha oportunidade para ver um jogo da seleção surpresa deste campeonato, que tanto aprecio. Nessa manhã, li o relato de Angola e dos festejos dos 50.000 caboverdianos radicados em Luanda, após o jogo que ditou a derrota e consequente afastamento do país acolhedor destes emigrantes.  
Na minha história de telespetador, o sábado à tarde foi muitas vezes consagrado a seguir jogos de râguebi, devidamente comentados pelo eclético Cordeiro do Vale, que tudo fazia para explicar as regras do jogo. A sua voz acompanhava outras modalidades e jamais percebi qual era a sua verdadeira especialidade. 
No Eurosport, habituei-me aos comentários de Olivier Bonamici, entendendo-o como um seguidor do futebol africano e conhecedor dos jogadores das mais variadas seleções, sobretudo, as de expressão francesa. O seu sotaque está adequado aos mais variados jogos dos países francófonos, por isso, ao ouvi-lo a comentar o jogo de Cabo Verde, estranhei-o.
A primeira parte foi lenta, tão lenta que parecia jogar-se ao ritmo de uma morna. Sentado no sofá, foi tempo de tirar uma sesta.
Uma folguinha.
A desejada atividade de fim-de-semana.
Acordei no início da segunda parte, com o resultado ainda a zero. Ainda estremunhado, ouvi o comentador, atrás mencionado, a falar num país representante da lusofonia.
O conceito tinha sido posto em causa, nas páginas do jornal público por António Pinto Ribeiro, no dia 18 de Janeiro em artigo intitulado “Para acabar de vez com a lusofonia”, fundamentando a sua teoria, pelo número de habitantes dos países africanos que falam português.
O golo do Gana, um penalti ao jeito dos mafiosos jogos europeus, tornou o jogo vivo. Os jogadores de Cabo Verde empolgavam, procurando chegar ao golo do empate. Em matéria de ritmo, a morna tinha sido destronada por um funaná, ou até uma coladeira. Lembrei-me das músicas de Os Tubarões, da voz de Ildo Lobo, que tive a oportunidade de ver a cantar o tema Sodade no cineteatro de Mindelo, na ilha de S. Vicente.
A certa altura, o comentador lusófono fala do mundo crioulo. Na oportunidade de afirmação do mundo crioulo em matéria de desporto. Podendo este campeonato fixar mais jogadores, naturais daquele país, na seleção de Cabo Verde. No mesmo jogo, misturam-se conceitos. No último lance, os mesmos comentadores incentivam o convidado cabo-verdiano a traduzir para crioulo a expressão “vamos ter fé”.
Livre marcado, bola desviada para canto, por um super Abdul Fatawu Dauda, o herói da tarde. Todos na área. Canto mal marcado e após uma longa corrida, o Gana faz o segundo golo.
No final do jogo, Olivier Bonamici fez uma apreciação correta, falando da falta de eficácia dos atacantes de Cabo Verde. O outro comentador e o convidado falaram da vitória moral e do erro de arbitragem como justificativo para a derrota. Argumento que se estendeu a vários jornais dos mais diversos países africanos de expressão oficial portuguesa.
Afinal, a lusofonia existe. Não apenas nas afinidades linguísticas e culturais mas, também na reação coletiva à derrota… desportiva.
 
(a publicar no dia 7/02/13)
 

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