Às seis da tarde começo outra vida.
Saio do trabalho e dedico-me a outras causas.
A viagem de carro permite-me antever o final de tarde. Preparo, ou revejo mentalmente, os assuntos de qualquer reunião marcada para essa hora, ao volante do automóvel, em condução estilo piloto automático. É a melhor forma. São várias as vezes, que chego aos locais de encontro e a temática é prontamente assumida, sem tempo para o retemperador café ser saboreado. Entro repentinamente noutro vocabulário, escuto outras preocupações dos interlocutores, quebrando a rotina e exigindo uma adaptação imediata, para ser produtivo o final de tarde.
Quando o destino é a biblioteca, demoro a desligar-me da atividade profissional. Entro no edifício e verifico a ocupação de quem ali trabalha. Deformação de controlador de atividade laboral. A solicitação de um livro, a dúvida acerca sua disponibilidade, a recolha na estante indexada, são ações que permitem colocar-me no papel de utente. Aparece um curioso, assíduo no espaço, tenta um diálogo, procurando indicar o autor de um ou outro livro, requisitado apenas pelo título, ou tentando citar uma frase escrita. Não o ajudo muito. Fica incrédulo. Se não sei quem é o autor, não finjo. Pouco ou nada cito. Não me interessa, nem tenho memória para isso. Aliás, costumo evocar a frase “este país não teve uma revolução” de António Lobo Antunes mas, se me perguntarem, de que livro? Não recebem uma resposta concreta.
A leitura acompanhou-me no final das tardes desportivas dos meus filhos. Um momento de introspeção prolongado para novas épocas. Uma boa alternativa às reuniões de carater social.
Nem sempre é assim.
Nesta época de provas finais do ano letivo, acompanho com a devida atenção os estudos dos meus filhos. Revejo as matérias, fazendo as sacramentais perguntas:
- Porque falhou o Fontismo?
Apetece-me questionar, depois de verificar as virtudes expressas no manual de História, relativas a este período de governação de Portugal, na segunda metade do século XIX.
Remeto-me ao essencial. À simultaneidade das melhorias dos meios de comunicação, nada digo. Pergunto apenas pelas estradas, pelas linhas ferroviárias e pela melhoria dos portos. A matéria quer-se sabida de acordo com o manual de estudo.
- Qual foi a cartilha do Fontismo?
Um trocadilho apetecível, ao rever João de Deus.
Dou enfâse à ocupação dos baldios, a lei das sesmarias vários séculos depois e contenho-me, para não estragar o estudo. A página seguinte do manual mostra o realismo, a população aumentou e a agricultura não produzia alimentos suficientes. Além do êxodo rural, os desgraçados emigraram, sobretudo para o Brasil, a necessitar de mão-de-obra.
Pela segunda vez, apetece-me perguntar quais as causas de insucesso do fontismo?
O aumento da dívida pública não é mencionado, como consequência da necessidade de contrariar, as várias décadas de atraso estrutural. O despesismo dos Bragança também fica afastado dos manuais. O lado sensato do Rei D. Luís não foi suficiente para o equilíbrio das contas públicas, nem para impedir o aumento de impostos. No entanto, nada disto justifica o regicídio do seu sucessor.
A ação de Fontes Pereira de Melo, António Maria, para completar o seu nome, foi importante para a modernização do país e para a regeneração da política, só que não teve acompanhamento a nível financeiro.
O desequilíbrio nacional perpetuado até aos dias de hoje.
Olho para relógio, ainda dá tempo para mais uma pergunta, de resposta pronta e rápida.
Começo a ouvir a resposta. Fixo-me na hora. Recordo o meu primeiro emprego. Os administrativos tinham já saído, os técnicos também. Dezanove horas quarenta e cinco minutos, ficava sozinho e responsável por fazer cumprir o plano de produção até às vinte e três horas. Tudo corria bem, até o João, do departamento de expedição, surgir com informações antagónicas ao meu plano. Era Melo o seu último apelido. Dada a semelhança, apetecia perguntar-lhe:
- Porque falhou o Fontismo?
Não perguntava. Ainda dava tempo de remediar a produção.
(a publicar no dia 30/05/13)