quarta-feira, julho 03, 2013

O homem de chapéu

            Percorro as páginas escritas por Raul Brandão. Envolvo-me com os seus mortos, com as respetivas sombras. Delicio-me pela brilhante capacidade de narrar a vida dos mais desgraçados, mesmo nos momentos mais difíceis da sua vida. 
            Com sofreguidão, devoro dois livros de Agustina Bessa Luís. Fico perplexo perante a erudição colocada na voz popular. Por outro lado, aprecio a crítica feroz, embora póstuma, às paixões de Camilo Castelo Branco. Com perdição, leio os seus passos pelas ruas do Porto, pelas casas de Gaia e do Tâmega.
Procuro entre os três escritores o fio condutor. Não é a cidade, não é região, banalmente denominada pela política como Norte.
Não é o estilo, nem a época literária, nem o género.
Nem a sucessão pelos séculos.
Em comum, ficaram imortalizados na tela do cinema, pela mão de Manoel de Oliveira. O cineasta perpetuou a obra literária destes escritores, pelos séculos seguintes. Camilo Castelo Branco, ainda durante o século passado, com base num argumento de Agustina Bessa Luís. Relação que se manteve durante mais anos, com mais adaptações cinematográficas, da vasta obra literária, da escritora do Tâmega. Em 2012, Manoel Oliveira baseando-se num romance de Raul Brandão, prestou-lhe uma homenagem ao realizar o filme “O Gebo e a sombra”.
O cineasta imortalizou na história, sempre volátil, os nomes da literatura nacional. Não esqueceu estes, nem outros, muitas vezes com pequenas aparições das capas dos livros, em momentos dos seus característicos filmes. Por exemplo, o livro S. Paulo, de Teixeira de Pascoaes, uma biografia nada teológica da vida do Santo, surge numa determinada imagem na mão do fotógrafo, protagonista, no filme “O estranho caso de Angélica”.
Percebe-se a intenção de Oliveira: a eternização dos seus escritores favoritos, alguns seus contemporâneos, alguns seus amigos, através da sua arte, com mais capacidade de divulgação, podendo chegar aos mais diversos pontos do continente e até do planeta, algo impensável para os livros editados desses mesmos escritores.
O fator Manoel Oliveira, a sua idade, a sua longevidade como realizador, o seu reconhecimento no contexto europeu do cinema, permitem intitulá-lo como uma das maiores figuras contemporâneas da cultura portuguesa.
À sua figura associa-se o chapéu.
(Cruzei-me com ele, pelo menos, duas vezes em espaço público e vi-o de cabeça coberta, tendo educadamente respondido aos cumprimentos, levantando-o ligeiramente.)
O potencial do uso, por diversas figuras do mundo das artes, deste adereço, um dos produtos tradicionais da indústria de S. João da Madeira, pode ser utilizado para promover um evento cultural na cidade, impondo-lhe um carater sério e uma escala nacional, podendo mesmo, dar-lhe uma dimensão internacional.
Num momento em que os novos espaços culturais públicos são uma realidade e precisam de encontrar um modelo de sustentabilidade financeira, todas as sugestões são importantes.
Como tenho feito ao longo de anos nas páginas do labor, vou apresentando ideias sobre o assunto, contribuindo apenas para a discussão pública.
Sobre este tema, referi em Maio passado, neste jornal, a potencialidade de animação das ruas da cidade, com a utilização maciça de chapéus pela população, conseguindo-se assim, num fim-de-semana do ano, o exotismo necessário para se obter uma cobertura mediática positiva. 
A isto junte-se a tal homenagem a “O Homem de Chapéu”, utilizando-se as novas infraestruturas municipais na área da cultura, conseguindo-se juntar a retrospetiva da sua atividade artística, com a estreia de um novo trabalho, tendo obviamente garantida a presença do artista em causa.
Com isto, teremos tudo para um produto de excelente qualidade, com um mediatismo extremo se pensarmos no próprio Manoel de Oliveira, sucedendo-lhe anualmente nomes de outros artistas reconhecidos pelo uso de chapéu, como Tom Waits ou Clint Eastwood....
Ambição excessiva?
Maior sonho, foi acreditar que um dia S. João da Madeira haveria de ter um nadador Olímpico. 30 anos depois, foi conseguido.    
 
(a publicar no dia 04/07/13)

Sem comentários: