quarta-feira, julho 10, 2013

Baixa-Mar

            A necessidade de frescura, para contrastar com os dias tórridos, as noites quentes, levou-me à praia bem cedo.
            Dormi sem roupa no tronco e de janela bem aberta.
Ergui-me ao toque de alvorada, olhei para o horizonte e observei uma névoa sobre o mar.
            O fresquinho matinal sabia bem, no entanto, sem aragem, adivinhava-se um calor descomunal.
            Era tempo de rumar à praia e esquecer o calor.
            Em dois tempos, conduzi-me para praia, atravessando os inevitáveis pinhais. Ao estacionar, verifiquei que a névoa observada desde casa eram nuvens altas, misturada com uma pequena neblina pousada junto ao areal. No caso concreto da praia escolhida, uma neblina entre os paredões graníticos, que as autoridades municipais e marítimas tanto gostam, cujo efeito prático é a continuidade da erosão costeira.
            Aspetos geográficos à parte, às 8h30m estava na praia. Não era o primeiro, nem tinha essa intenção. A única ambição era chegar cedo, sentir o fresco matinal. Se visse algum barco a recolher as redes xávegas, era um prémio justo, para quem, dia após dia, acorda cedo e ruma para uma fábrica.
            Os sinais da atividade piscatória estavam expressos nas marcas dos rodados do trator na areia. As redes já tinham sido recolhidas. O barco descansava na areia.
            Estava maré baixa, o que dava alguma largura ao areal. A areia seca era reduzida e tinha sido calcada pelo trator. O areal, húmido, apresentava-se disponível e era o mais apetecível, face ao calor sentido nas vésperas. Não caminhei muito, deixei-me ficar junto aos objetos das famílias madrugadoras. As pessoas estavam mais abaixo junto ao mar.
            Deitei-me, peguei num livro, esperando entretanto adormecer, com o som do mar a embalar-me.
            Normalmente, permaneço na praia procurada pelas famílias, com esta condição: o barulho das ondas a rebentar tem que ser superior ao dos meus vizinhos veraneantes. Quando quero silêncio, afasto-me um pouco.
            Não levei protetor, o que para um branquinho como eu, é um crime. Só tinha uma hipótese, cumprir o definido pelos dermatologistas, às 11 horas sair da praia. Como contava recuperar umas horas de sonho, adormecer poderia ser perigoso.
            A areia húmida serviria de barómetro, deitei-me com uma mão a sentir a sua frescura, quando a sentisse seca e quente, estaria na hora recomendada pelo Dr. Osvaldo Correia.
            Ali permaneci deitado, os olhos fecharam-se e cochilei um pouco. Os cochichos eram suportáveis, do meu lado direito vinha o som de conversas sobre o peso perdido, tipo de dietas e outras conversas adequadas à época estival. O barulho das ondas era mais agradável de ouvir, sentia-se um vento sul. A névoa matinal tinha desaparecido, o sol espreitava pelas pequenas nuvens, a areia continuava húmida. Aliás, a minha toalha estava húmida. Uma frescura completa.
            Virei-me de barriga para cima, com os pés direcionados para o mar. Não concebo tornar-me um relógio de sol, com a minha cara a receber a maior incidência dos raios. Fiquei de olhos abertos a espreitar as nuvens, os efeitos dos raios a atravessarem a camada húmida. Por vezes, um par de gaivotas atravessava a praia a voar.
            Ao meu lado, o número de guarda-sóis aumentava, embora, permanecessem sozinhos, pois a sua sombra ainda não era apetecível.
Tentei pegar de novo no sono.
            A enchente da maré obrigou os veraneantes a chegarem-se aos seus pertences. Horas das crianças comerem o reforço do pequeno-almoço. A algazarrava aumentava. Mais gente chegava à praia e rodeavam os madrugadores, conquistando-lhes o areal.
            Sentei-me. Procurei a garrafa, enchida em casa com água fresquinha, bebi insaciavelmente. Optei pelo banho, caminhei em direção ao mar, a frescura da areia, pronunciava o desfecho. A água estava gelada. Só molhei as canelas.
            Voltei à toalha. Abri de novo o livro, procurando desfrutar um pouco mais daquela manhã fresca. As nuvens estavam já dispersas, os raios solares eram agora mais quentes. Ainda assim, a areia continuava húmida e isso era o suficiente para me concentrar na leitura e não ouvir as conversas vizinhas. Página após página, ouvindo sobretudo o som do mar, cheguei ao fim do livro.
Olhei para o mar. Os parceiros que ocuparam a minha frente estavam praticamente a receber a água da onda. Ao meu lado, as crianças já se inquietavam, trocando brinquedos ou disputando baldes e pás. As mães continuavam a falar de trivialidades.
            Voltei a sentir a areia. Estava seca.
Em cada onda, o mar aproximava-se mais das toalhas dos meus vizinhos frontais. Não tardava nada e tinha que me encolher para eles continuarem na praia, por isso, optei por recolher. Sacudi a toalha, já seca. Vesti-me. Tirei o telemóvel do bolso e o seu relógio indicava 11 horas e um minuto. Precisão dermatológica.
As praias da nossa região, devido ao seu reduzido areal, passam a ficar condicionadas pela duração da baixa-mar.
Não quero com isto retirar a devida importância aos conselhos dermatológicos, sobretudo, quando o índice de radiação ultravioleta está sempre próximo do máximo.
 
(a publicar no dia 11/07/13)

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