A emancipação concelhia de S. João da Madeira, assinada a 11 de Outubro de 1926, poderá ter sido a primeira medida da Ditadura Militar, no âmbito da organização da Administração local.
Após 80 dias sobre o golpe militar de Costa Gomes e dez ministros nomeados para a pasta, Jaime Afreixo foi empossado como Ministro do Interior. O líder da marinha da revolução de 28 de Maio, não permaneceu muito tempo no cargo. O seu mandato durou até 1 de Novembro. O que é indicativo da instabilidade governamental, por impreparação dos militares, vivida nesses meses.
Pela cronologia da criação de concelhos, verifica-se que sob assinatura de Jaime Afreixo foram emancipados dois concelhos, S. João da Madeira e Murtosa, este a 29 de Outubro. Nestes concelhos ainda existem referências toponímicas ao antigo vice-almirante, assim como, monumentos de agradecimento erigidos em época própria.
Nos quarenta e oito anos seguintes, nada mudou no mapa concelhio nacional. As alterações surgem com a democracia. Em 1979 é criado o concelho da Amadora e em 1998, de uma assentada, três novos concelhos elevam-se: Vizela, Trofa e Odivelas.
A singularidade do concelho de S. João da Madeira, de freguesia única, não foi inventada pelos militares, na declaração da sua emancipação. Ainda na semana passada, o jornal labor numa excelente reportagem sobre a transferência de competências para as juntas de freguesia, revisitou os concelhos de freguesia única. Os mais atentos perdoarão a repetição da nomeação destes cinco territórios: Porto Santo, S. Brás de Alportel, Barrancos, Alpiarça e Castanheira de Pera. Embora este último, só a partir de 2013, tenha transitado para este grupo, devido ao agrupamento das suas freguesias.
Atente-se no ano de emancipação ou formação destes concelhos. Em 1914, na 1ª República, foram elevados Alpiarça e S. Brás de Alportel (juntamente com Bombarral, Alcanena e Ribeira Brava, aqui apresentados para se entender que a criação das referidas autarquias, não constituiu um ato isolado).
Durante a monarquia liberal, na reforma administrativa de Mouzinho da Silveira de 1835, é criado o concelho de Porto Santo.
Muitos séculos antes, em 1290, por foral de D. Dinis é constituído o concelho de Barrancos. Demonstrativo da relevância dos concelhos na história medieval, em contraponto aos senhores feudais – nas imediações desta povoação situava-se o castelo fronteiriço de Noudar, hoje uma ruina.
É bem provável que a reforma de 1835 tenha extinguido uma série de concelhos com estas particularidades.
Pela história percebe-se que a Administração local sempre se adaptou às singularidades dos concelhos, nas ilhas ou no continente. No norte como no sul, sem complexos geográficos.
Em 1832, o referido Mouzinho da Silveira elaborou a reforma administrativa das ilhas. Entre as várias medidas tomadas, uma perpetuou-se, a criação do concelho do Corvo nos Açores, com uma novidade, este concelho não tinha, nem ao fim destes quase dois séculos tem, freguesias.
Foquemo-nos na citada reportagem do labor, escrita por Anabela S. Carvalho. A coincidência de competências entre as entidades administrativas do mesmo território foi apontada como uma incongruência da lei n.º 75 / 2013, algo a que eu próprio já tinha aludido em Fevereiro deste ano e que repeti no último mês. Enfâse, na referida notícia, para a afirmação do socialista Filipe Menezes de Oliveira, edil de Porto Santo, concordando com a extinção da freguesia, ressalvando que “o interesse público não ficaria violado”.
Conforme descrito, desde a criação do concelho do Corvo, enquadramento jurídico já existe para essas abolições, atualizado ao longo destes dois séculos, até ao Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, Lei n.º 2 / 2009 de 12 de Janeiro, que prevê no seu artigo 136, o Município do Corvo, designando-o como titular das competências genéricas das freguesias, devido aos seus condicionalismos próprios.
Não se encerram na história, nem no contexto administrativo, as peculiaridades geográficas da ilha. O Corvo é o concelho menos populoso de Portugal. Só que com os seus 17,13 Km2, não é o mais pequeno do país, como todos sabemos.
A proporcionalidade territorial ainda é válida hoje, em pleno século XXI, como seria em 1926.
Jaime Afreixo, em 73 dias de mandato, nem deve ter tido tempo para contactar com a totalidade da legislação portuguesa. Ousadamente emancipou dois concelhos. Um, sendo o único a norte do rio Mondego de freguesia única, terá causado estranheza no conservadorismo da região e talvez por isso, durante os anos seguintes de ditadura militar, nada se alterou na administração local do país. Antes pelo contrário, durante esses anos, transmitiu-se aos concelhos a mesma ideologia que era apregoada para o estrangeiro, o “orgulhosamente sós”, exacerbando-se a rivalidade entre povoações, pelo fomento do bairrismo.
Após 40 anos de democracia é normal que se repense a Administração local, permitindo propor-se alterações aos conceitos existentes.
A eloquência dos argumentos sustentará a defesa da futura extinção da freguesia e permitirá compreender, melhor, as razões dos que defendem a simplificação e aproximação do Estado ao cidadão.
(a publicar no dia 09/10/14)