Fora d’horas, Novembro de 1995. O duplo CD “Mellon Collie and the Infinite Sadness” dos norte-americanos The Smashing Pumpkins, acabadinho de comprar, não chegaria a acompanhar-me até casa. Passaria os dias seguintes a tocar na aparelhagem do vizinho bar. Uma partilha em voga na época, anterior à duplicação de cds, à internet, ou ao youtube.
Existia essa tendência por aquelas caves. A posse era entregue ao dono do bar, que ouvia, fazia ouvir e deixava ouvir as novidades musicais que os clientes lhe apresentavam. A devolução trazia o cd imaculado. Sem riscos, a caixa intacta e o folheto impecável. Foi assim, com este e com outros que se lhe seguiram. O mesmo acontecendo com os vinis no tempo deles. O disco tinha um valor de preciosidade e o empréstimo não o danificava, podendo assim, ser ouvido por mais pessoas, o que era importante para a difusão de correntes musicais.
Várias foram as tendências musicais daquele bar. Acompanhando correntes das subculturas musicais, ouviu-se drum&bass e outras etapas da música eletrónica. Tal como anteriormente na década anterior, aquelas paredes tinham promovido música ao vivo, com guitarras, bateria e a casa cheia de adeptos do género, oriundos da cidade e das povoações das redondezas.
As correntes musicais não ficaram por aqui. A expressão moderna, com dj’s e mc’s, que tiveram oportunidade de experimentar pelo Fora d’horas as suas soluções laboratoriais. Alguns conquistando espaço e fama no meio musical.
Nem só de música se fez o bar.
As sinergias artísticas da cidade convergiam para aquele espaço.
Por ali, conversavam e trocavam experiências, estudantes e outros jovens com interesses literários, com gosto pela imagem, pela fotografia, pelo teatro, pela representação e também pela pintura e desenho.
Alguns viriam a despontar no mundo das artes, como o realizador André Gil Mata, ou a atriz Maria João Pinho.
Outras subculturas. Envolvidos por outros clientes. Pelo fumo dos seus cigarros. Em meio suburbano, com a violência que o carateriza latente. Paredes meias com a marginalidade, com a dependência, cujas fronteiras não ficam bem delineadas e por vezes, invadem espaços alheios.
Este texto, pensado para fazer um apelo ao não encerramento do bar Fora d’horas, pelo seu significado na cultura maldita da cidade, pelo incentivo à criatividade dos seus clientes, por acolher no seu interior, como uma informal incubadora, as tendências artísticas da região, teve que ser alterado.
Por uma feliz coincidência, cruzei-me com Luís Reis, ficando com a certeza que o encerramento tinha sido temporário.
Brevemente, voltará a escutar-se música naquela cave da Rua da Liberdade.
(a publicar no dia 27/11/14)