quarta-feira, fevereiro 11, 2015

Banco de Livros Escolares

                O leitor regular destes artigos de opinião deve lembrar-se de uma crónica, em que dissertei sobre a cartilha do "Fontismo", enquanto ajudava um dos meus filhos a rever a matéria, antes do teste da disciplina de História.

                Dois anos depois voltei à mesma matéria escolar, desta vez com a minha filha. Revi os gráficos de sucesso da Regeneração Portuguesa, o aumento da população, da escolaridade, o número de quilómetros de rodovias e ferrovias construídas, a rede de portos e mais outras medidas marcantes da Monarquia Liberal, sobretudo, em matéria de justiça. Acrescentei um dado importante, em falta no livro, importante para se entender a necessária modernização do país, precisamente a dívida de Portugal. Sem esse dado, aquelas páginas parecem de um livro de contos de fadas.

                Por agora concentremo-nos no manual de estudo. Enquanto formulava as perguntas, observava as marcas deixadas pelo irmão. Uns rabiscos, um picotado numa página, uns bigodes numa gravura e um ou outro apontamento apropriado à disciplina. Mesmo usado, quando terminar o ano lectivo, o livro será remetido para algum familiar ou amigo mais novo, cuja escola o tenha adoptado.

Este exemplo familiar, de partilha, serve de introdução ao tema a desenvolver esta semana.

A oferta de manuais escolares, aos alunos do 1º ciclo, tem sido tema de debate pelas forças políticas da cidade. No passado, essa gratuitidade contemplava apenas os agregados familiares dos escalões A e B e a partir do ano passado, passou a incluir-se todos os escalões do IRS, incluindo aqueles com vencimentos mensais superiores a 7.000€.

A proposta surge de uma força política dita de esquerda, que contraria toda a lógica ideológica e até de justiça social, pela qual esse partido tem lutado nos últimos 40 anos.

Sendo uma promessa eleitoral, caracteriza a deriva programática desse partido, justificando-se a proposta pela tentativa de agradar aos eleitores de um determinado escalão etário, ou a uma assembleia de uma Associação de Pais.

  No entanto, há indicadores preocupantes acerca do estado do ensino em S. João da Madeira. Depois de uma década a restaurar e a construir escolas, seria importante analisar alguns dados:

·         Taxa de analfabetismo

·         Abandono escolar

·         Saída antecipada do ensino

·         Saída precoce do ensino

Apenas disponho dos valores indicados na Carta Educativa no concelho. Convém explicar alguns dos conceitos, para os leitores menos familiarizados com esta linguagem entenderem melhor a análise, aproveitando para apresentar o respectivo valor.

A taxa de analfabetismo, indicador que não precisa de explicação, era de 4,8% no último Censos.

A taxa de abandono escolar, correspondente a jovens até aos 15 anos que não concluíram o 9º ano era de apenas 1,3%

A taxa de saída antecipada do ensino, correspondente à população entre os 18 e os 24 anos que não concluíram o 9º ano, era de 24,8%.

Finalmente, a taxa de saída precoce do ensino, correspondente à população entre os 18 e os 24 anos sem concluir o ensino secundário, era de 45,8%.

Este último indicador corresponde à falta de qualificação dos recursos humanos da população do concelho. É dos valores mais elevados dos concelhos do Entre Douro e Vouga. Para comparação, apresento o valor da média europeia, 19%, o que reflecte o atraso estrutural da cidade em contexto europeu.

Cruze-se este indicador com os valores retirados do Censos 2011, no que concerne à população com 15 ou mais anos, sem o ensino secundário, precisamente 69,2%. Comparando-se com o recenseamento da década anterior, ou seja de 2001, havia 77,3% da população que tinha como habilitações máximas o 9º ano. Uma melhoria, embora pouca significativa, atendendo ao aumento populacional verificado entre Censos (3%).

Em suma, durante a década passada, o incentivo à qualificação dos jovens deveria ter sido semelhante ao estímulo verificado na criação e instalação de indústrias de base tecnológica.

Compreende-se que oferecer os manuais a todos os alunos do 1º ciclo é um erro político. O esforço municipal deveria centrar-se nos alunos mais velhos.

Uma das formas de contrariar a saída precoce do ensino, é precisamente estimulando a continuidade dos alunos com mais de 16 anos, tomando-se medidas como a oferta de manuais escolares, criação de bolsas de mérito, ocupação laboral em part-time ao fim de semana, entre outras medidas julgadas oportunas, como por exemplo, premiar a turma e a escola com melhor desempenho no ranking nacional, ou seja, distinguir pela positiva os alunos do concelho, incentivando-os ao estudo e à conclusão do 12º ano.

  Com a medida atual, nada vai alterar nos próximos anos nas habilitações da população do concelho.

Espero que o exemplo com que iniciei o texto, ao abrigo do título do mesmo, reformule a política municipal de aquisição de manuais escolares. A Câmara Municipal pode e deve criar um banco de livros escolares, permitindo a troca de livros, ou seja, o empréstimo durante um ano lectivo, obrigando à sua devolução no final do mesmo. Aos alunos de agregados familiares de escalão A e B, continuava-se a oferecer os manuais, no entanto, teriam as mesmas obrigações de restituição.

Com este sistema e atendendo ao orçamento municipal para aquisição de manuais, em poucos anos, os alunos abrangidos seriam mais e progressivamente ficariam cobertos todos os graus de ensino.

A esta proposta, resta estabelecer um objectivo, para um horizonte temporal de 2020 e fixar as metas anuais. Tudo com a envolvência dos agrupamentos escolares. Para não continuarem a ser esquecidos neste processo.

 

(a publicar no dia 12/02/15)