quarta-feira, novembro 25, 2015

À boleia

Há coincidências curiosas. As eleições Presidenciais serem marcadas precisamente para o dia, já definido, das intercalares para a Câmara Municipal de S. João da Madeira, é uma dessas casualidades que permite tecer alguns comentários.

                Em primeiro lugar, o benefício na redução dos custos da democracia. A poupança no escrutínio, com a formação das mesas eleitorais para um só dia, só pode ter vantagens. Além disso a própria autarquia, ao abrir as suas portas num só domingo, para as duas eleições, também tem proveito, na redução de despesas de funcionamento: em horas extraordinárias dos seus funcionários, além de outros custos como eletricidade e outros.

                Mais baralhadas ficam as estruturas locais dos partidos políticos, com as duas eleições no mesmo dia. O empenho terá que ser repartido entre as duas eleições, não se podendo desprezar nenhuma delas, como é óbvio.

                Isto se a maioria dos partidos políticos definir previamente, qual o candidato a Presidente da República que apoiarão. É certo que apenas o PSD e CDS estão indecisos, o PS deu liberdade de voto aos seus militantes, pois há duas candidaturas da sua área: uma de militante e outra independente, esta patrocinada pelos seus mais destacados partidários e ex-presidentes da República e posto isto, temos à esquerda as candidaturas apoiadas pelos respetivos partidos: Marisa Matias, pelo BE e Edgar Silva, pela CDU.

                Se as máquinas partidárias podem ficar fragilizadas pelas duas eleições em simultâneo, já as próprias candidaturas locais podem aproveitar a embalagem da eleição presidencial para receber mais alguns votos e apoios inesperados.

                Todos se recordam da presença do Professor Marcelo Rebelo de Sousa em S. João da Madeira no último mês de Setembro, num comício que encheu a Casa da Criatividade, numa ação da candidatura distrital do PàF. Conseguir juntar as duas campanhas, repetindo a presença do candidato Presidencial em S. João da Madeira, poderia catapultar a candidatura local de Ricardo Figueiredo para uma vitória maioritária.

                O mesmo acontecendo, em escala diferente, aos candidatos do BE e CDU. A presença dos candidatos Presidenciais, em ações concretas de campanha, pode permitir a fixação de mais votos, embora os dois casos sejam distintos, como veremos mais adiante.

                Já para o PS local, fruto das divisões de Lisboa, o melhor é ignorar as eleições presidenciais. Se apoiar um, pode desiludir os seus eleitores. Se apoiar o outro, pode receber o mesmo grau de insatisfação de outros. Este isolamento, que à primeira vista poderia ser benéfico para o resultado local, poderá trazer dissabores, se considerarmos a necessidade de afirmação das outras forças partidárias.

Se analisarmos as últimas eleições, portanto, as legislativas, verificamos que o Bloco de Esquerda conseguiu cerca de 1.200 votos neste concelho. Esta mesma votação nas autárquicas permitirá eleger um vereador no próximo dia 24 de Janeiro. Sendo assim, atendendo ao crescimento eleitoral desta força partidária, é razoável que o Bloco, nestas eleições, se apresente com a forte convicção de eleger um vereador (ou vereadora) em S. João da Madeira. Além disso, atendendo às circunstâncias dos últimos dois anos, das divergências políticas do executivo e da Assembleia Municipal, o Bloco de Esquerda é a única força política imaculada, por ter estado ausente dos órgãos municipais, durante esse período. Este afastamento pode permitir captar votos dos descontentes com o nível do debate político, dos aborrecidos com o extremar de posições, dos desgostosos por tudo se resumir a questões apenas partidárias, ou mesmo no limite, pela excessiva partidarização da sociedade local.

Estamos perante uma alternativa ao voto de esquerda, que poderá apanhar a boleia da candidatura presidencial, ajudada pela disponibilidade dos seus mediáticos militantes presentes em campanha e daí elevar o debate autárquico, introduzindo novos e importantes temas, dentro do quadro ideológico que carateriza o Bloco de Esquerda. A eleição de Moisés Ferreira para deputado provou que o voto no distrito de Aveiro, nesta força política, é firme. O desafio agora é consolidar esse voto também em S. João da Madeira.

A data das duas eleições pode ser uma mera coincidência, no entanto, como aqui demonstrado, pode ser bem aproveitada. Por alguns...

 

(a publicar no dia 26/11/15)

quarta-feira, novembro 18, 2015

À procura de gambozinos

                No rescaldo da noite eleitoral do passado dia 4 de Outubro, Helena Roseta, independente eleita deputada pelas listas do PS, pelo círculo eleitoral do distrito de Lisboa, à pergunta se “o voto do centro tinha fugido ao partido?”, respondeu prontamente que “os eleitores do centro são os gambozinos da política portuguesa”.

                Perante uma afirmação tão contundente, convém recordar alguns episódios da história democrática do nosso país. Em 1975, Mário Soares colocou o socialismo na gaveta, ao formar governo, repetindo a sempre graça, quando era empossado primeiro-ministro. Muitos anos mais tarde, o assumido católico, António Guterres, conquista o poder e forma Governo de inspiração pouco socialista. Após a sua demissão, um dos seus ex-ministros das Finanças, Sousa Franco, viria a escrever, por volta de 2003, que o PS só ganharia eleições se tivesse um discurso apelativo para o centro, agradando a esse eleitorado, que inclinava o seu sentido de voto conforme as propostas apresentadas pelos partidos do arco do poder. E a verdade, é que em 2005, José Sócrates venceu com maioria parlamentar, com um discurso e programa de governo, claramente social-democrata.

                Estas oscilações do partido do centro-esquerda, também foram acompanhadas por iguais migrações programáticas e até ideológicas por parte do PSD. Entre a social-democracia e o liberalismo, conforme a opção dos seus militantes ao elegerem o líder do partido. Ficou célebre a acusação de Luís Filipe Menezes, em 1995, aos “sulistas, elitistas e liberais” apoiantes de Durão Barroso, no confronto que este teve com Fernando Nogueira. É certo que em 1999, Durão Barroso assumiu a liderança do partido e desde aí, a aproximação ao programa liberal foi ziguezagueando, até encontrar em Passos Coelho um claro defensor do liberalismo.

                Ora, esta opção ideológica colocou o PSD afastado do centro, bem à direita. O PS fez o seu recente programa eleitoral apontando ao centro-esquerda, aproveitando a trincheira definida pelo PSD, durante a última governação e na própria campanha eleitoral.

Os resultados eleitorais das eleições legislativas demonstraram, entre outras coisas, a perda de 700 mil votos por parte da coligação PAF, relativamente a 2011. Acontece que estas centenas de milhares de votos, não tiveram a deslocação habitual para o partido do centro-esquerda. Desta vez, muitos desses eleitores migraram o seu sentido de voto mais para a esquerda, votando no Bloco de Esquerda, apesar de o PS ter reconquistado umas quatro a cinco centenas de milhares de votos. Ou seja, o descontentamento, o voto penalizador aos partidos do Governo, não seguiu a tradicional tendência de voto no partido da oposição ideologicamente mais próximo do centro. Uma tradição que ditou a alternância vitoriosa de PSD e PS, nos últimos 40 anos.

A partir da contagem dos votos das eleições legislativas e até aos dias de hoje, observamos o PS a abrir uma outra trincheira. Abandonou o centro, muito provavelmente com receio que o fenómeno europeu da radicalização atingisse o partido e o extinguisse. Com dois acordos, colocou-se mais à esquerda, agora bem no espectro do socialismo democrático.

Temos portanto, uma bipolarização da política nacional em dois blocos antagónicos: uma direita entrincheirada no liberalismo e a esquerda, por sua vez, alinhada atrás do socialismo democrático.

Com este cenário, havendo um vazio ao centro, devemos questionar o que irá acontecer à social-democracia no atual panorama político nacional?

Sem propostas para os eleitores que sempre preferiram partidos que promovessem a justiça social, com base na sociedade e não apenas no Estado, ficam dúvidas sobre em quem estes eleitores poderão votar. Poderia pensar-se ser o momento ou a oportunidade de formar-se um novo partido, no entanto, olhando para as movimentações de alguns militantes de ambos os partidos, é de crer que PSD e PS ainda se vão colocar de novo ao centro e até num futuro muito próximo.

Pelo caminho, haverá umas eleições presidenciais, em que um dos candidatos assumiu claramente a sua costela social-democrática e outra das candidatas também aposta nesse eleitorado, deixando os extremos entregues aos seus próprios protagonistas, com clara ausência da direita liberal. Portanto, haverá nos próximos meses, na política nacional “caça aos gambozinos” e estou convencido que ainda não será desta que os portugueses moderados, não serão decisivos em eleições.

            Apenas mais três parágrafos, para não defraudar os leitores, relacionando as eleições intercalares, para a Câmara Municipal de S. João da Madeira, com este fenómeno nacional em curso.

Não é clara a linha ideológica de cada força na política local. Direita conservadora em confronto com o centro-direita e a hipotética esquerda a sofrer duros ataques dos eleitos da CDU, além da normal dualidade PSD – PS são normais na história democrática. Para agravar a questão, as “alianças” políticas pós-eleitorais confundiram o eleitorado, não permitindo identificar blocos programáticos ou ideológicos na política local.

Como é lógico, o balanço da atividade da política em S. João da Madeira, resume-se basicamente à rejeição dos investimentos, municipais ou co-participados por fundos comunitários, dos últimos dois anos. E isso torna-se difícil de enquadrar, sobretudo quando em 2014 se rejeita um investimento de pouco mais de 2 milhões de euros e no ano seguinte, se aprova praticamente o mesmo valor para outros fins, sem, no entanto, o autorizar. Não existem gambozinos que entendam isto, por isso, as eleições intercalares do próximo dia 24 de Janeiro, serão um episódio circunscrito à realidade local, não havendo qualquer relação com a política nacional.

 

(a publicar no dia 19/11/15)

quarta-feira, novembro 11, 2015

Uma vida dedicada ao desporto

                João Araújo foi meu professor de Educação Física. Corria o ano de 1983, a Escola Secundária ainda não tinha patrono, nem sequer pavilhão. Os alunos, para ter as suas aulas, deslocavam-se no intervalo das atividades, do antigo Liceu até ao Pavilhão de Desportos da ADS. Regressando de novo à escola, após a hora de exercício físico.

Por esses anos, o panorama de infra-estruturas desportivas da cidade resumia-se ao estádio de futebol com campo relvado e pista de atletismo; ao campo de futebol em terra batida ali adjacente; o tal pavilhão atrás referido, mais os pavilhões de duas escolas – da Escola Secundária Serafim Leite e da Escola Preparatória; a acrescentar a isto junte-se um tanque piscina nas traseiras da escola do parque.

Com tão poucas infra-estruturas, a oportunidade de iniciar a prática desportiva para uma criança era reduzida. As modalidades abriam os seus treinos aos miúdos de 10 ou 12 anos, com raras excepções, como a escola de patinagem da ADS, que admitia crianças de tenra idade. Sendo assim, havia uma série de jovens, cujo contacto com a atividade física era demasiado tardio. Com este enquadramento, nessa época, o professor de Educação Física desempenhava um papel extremamente importante no ensino de movimentos que permitiriam ao aluno aumentar a sua agilidade, a sua velocidade, a sua flexibilidade e mesmo a sua resistência física.

Dentro deste espírito, o professor Araújo desempenhava extremamente bem o seu papel. Recebia-nos no pavilhão sempre com um sorriso. Os rapazes sempre solicitando uma aula de desporto colectivo, de preferência com bola, e o professor a encaminhar a turma para a atividade por si pretendida, acompanhando com mestria toda a turma, corrigindo movimentos e ensinando com um discurso fácil e pedagógico o que pretendia. No final dessas aulas, concedia aos alunos o jogo com bola, ou a promessa de o fazer na aula seguinte, o que era cumprido.

Depois desse ano, mudei de escola e mesmo afastado, acompanhei à distância o trabalho no desporto do Professor Araújo, enquanto preparador físico das equipas de hóquei em patins. Primeiro aqui na ADS e depois, ao longo de anos, na sua carreira noutros clubes, com um palmarés invejável, como é do conhecimento geral.

A sua nomeação para diretor da piscina municipal foi extremamente importante para a Associação Estamos Juntos, devido à sua sensibilidade para as condições intrínsecas de cada modalidade desportiva. O direito da equipa de natação de treinar no horário nobre da piscina foi por si defendido e implementado, contra ventos e marés, como é normal, quando há uma mudança de paradigma.

Anos mais tarde, o professor Araújo enquanto “promotor” concelhio de desporto fazia-me chegar convites para divulgação em S. João da Madeira, do xadrez, de cuja secção era eu responsável na AEJ. Assisti a várias reuniões, por si lideradas, de planeamento dessas ações desportivas e percebi a sua intenção de apoiar as modalidades com menor visibilidade na cidade, puxando-as para entrarem na esfera autárquica. Isto numa época em que não era vereador.

Em 1997, quando me aproximei do Partido Socialista, o professor Araújo como me conhecia bem do passado, recebeu-me sem qualquer desconfiança e com a simpatia de sempre. Desde esse ano, passámos a conversar mais frequentemente, atendendo à proximidade de residência e aos pontos de vista em comum, não só desportivos mas também políticos, mesmo comigo arredado destas últimas lides. 

Na minha faceta de colaborador do labor, encontrei no professor Araújo um leitor atento, que parava para falar comigo sobre o que eu escrevia, dando-me conselhos sobre alguns assuntos, ou mesmo informações que eu registava e utilizava meses ou anos depois, nas minhas crónicas.

Fica a saudade, sobretudo das nossas conversas desportivas, em que eu escutava atentamente a sua vontade em perceber o treino, no desenvolvimento da metodologia, contando-me como foi recolhendo pormenores ao longo da sua vida, como por exemplo, os treinos de Mário Wilson (o velho capitão) no futebol da Académica de Coimbra.

Fica também a homenagem pelo seu apoio às mais diversas modalidades e o reconhecimento, se tivesse sido vereador com pelouro, o desporto em S. João da Madeira teria ficado bem diferente, para melhor, claro.                 

 

(a publicar no dia 12/11/15)

terça-feira, novembro 03, 2015

Catch 22

                As eleições intercalares em São João da Madeira eram o desfecho inevitável, atendendo à forte tensão em que se realizavam as reuniões da sua Câmara Municipal.

                Em Julho deste ano, há precisamente 4 meses, antecipei este cenário e previ eleições em 2016, quando ainda se punha a hipótese de o orçamento municipal não ser aprovado e o município ter que viver em gestão por duodécimos, durante pelo menos um ano civil. Nesse artigo, na minha análise, adiantava que o PSD iria esperar pelo desfecho das eleições legislativas. Como qualquer resultado dessas eleições lhe seria favorável, este partido tudo faria para promover eleições intercalares no próximo ano, num contexto de fragilidade da oposição municipal, por boicote ao mandato iniciado em 2013.

O certo é que o resultado das legislativas em São João da Madeira, provou que o voto da direita regressou ao PSD e tal como era de esperar, algumas das suas principais figuras ficaram livres, por não integrarem as listas a deputados. Mesmo com a formação do atual Governo Constitucional, segundo se consta, de curto prazo, o próprio Dr. Castro Almeida, novamente nomeado para Secretário de Estado, passará a disponível para a disputa eleitoral que se aproxima.   Em contrapartida, um governo PS atirará para Lisboa, alguns dos dirigentes locais.

              Um cenário óbvio.

Bem avisou, o próprio diretor do jornal labor, Pedro Silva, em editorial publicado em Setembro último, apelando a que em lugar de lamentações, era preferível à oposição renunciar aos mandatos e provocar eleições intercalares, numa jogada de antecipação.

                Tal não aconteceu, sem se perceber muito bem porquê.

                O ardil dos 22 projetos de investimento implicava um paradoxo, tal como na literatura, na obra escrita por Joseph Heller, que intitula este texto. A questão em São João da Madeira, ainda era mais simples. Se aprovassem os investimentos, a oposição daria cobertura à política e sobretudo, às contas do município, validando os empréstimos, aumentando o endividamento, o que contrariava a sua versão, repetida até à exaustão, de que essas contas estavam “erradas”. Pelo contrário, ao reprovarem os investimentos, além de contrariarem as decisões anteriores, aprovadas em reunião, como o Plano de Atividades do presente ano, davam a oportunidade ao executivo PSD de demonstrar a vontade da oposição em boicotar a sua ação.

                A escolha foi feita. 

                As consequências desta opção serão conhecidas a 24 de Janeiro de 2016.

                Poder-se-ia escrever um pouco mais sobre as contradições do processo, nomeadamente os votos favoráveis e em sentido contrário passado uns meses, ou o voto aprovando um empréstimo de 1,7 milhões de euros e chumbando o empréstimo de pouco mais de 200 mil euros, por receio de utilização desta verba para outros fins, que não o acordado. Contudo, cada leitor já teve oportunidade de retirar deste imbróglio a sua própria conclusão, pelo que não acrescentarei nada a este ponto.

                O importante agora é apelar ao bom senso eleitoral. Esperar que as forças políticas, partidos e movimentos, apresentem um programa eleitoral positivo, com propostas concretas para a cidade. Nestes dois anos, tiveram a oportunidade de conhecer os demais dossiers municipais, para agora apresentarem uma ideia de cidade, fundamentada em projetos concretos, projetando-a no futuro.

                Será esta capacidade de distanciamento aos acontecimentos dos dois últimos anos, que será premiada pelos eleitores locais. Viver no passado, no que não aconteceu, no que não foi aprovado, na falta de consensos, na crítica, será penalizador.

                Os eleitores cansaram-se dos episódios destes últimos anos. Aliás, estou convencido que a maioria deles, ainda não percebeu o que se passou nos Paços do Concelho desde 2013.    

               

(a publicar no dia 05/11/15)