quarta-feira, novembro 18, 2015

À procura de gambozinos

                No rescaldo da noite eleitoral do passado dia 4 de Outubro, Helena Roseta, independente eleita deputada pelas listas do PS, pelo círculo eleitoral do distrito de Lisboa, à pergunta se “o voto do centro tinha fugido ao partido?”, respondeu prontamente que “os eleitores do centro são os gambozinos da política portuguesa”.

                Perante uma afirmação tão contundente, convém recordar alguns episódios da história democrática do nosso país. Em 1975, Mário Soares colocou o socialismo na gaveta, ao formar governo, repetindo a sempre graça, quando era empossado primeiro-ministro. Muitos anos mais tarde, o assumido católico, António Guterres, conquista o poder e forma Governo de inspiração pouco socialista. Após a sua demissão, um dos seus ex-ministros das Finanças, Sousa Franco, viria a escrever, por volta de 2003, que o PS só ganharia eleições se tivesse um discurso apelativo para o centro, agradando a esse eleitorado, que inclinava o seu sentido de voto conforme as propostas apresentadas pelos partidos do arco do poder. E a verdade, é que em 2005, José Sócrates venceu com maioria parlamentar, com um discurso e programa de governo, claramente social-democrata.

                Estas oscilações do partido do centro-esquerda, também foram acompanhadas por iguais migrações programáticas e até ideológicas por parte do PSD. Entre a social-democracia e o liberalismo, conforme a opção dos seus militantes ao elegerem o líder do partido. Ficou célebre a acusação de Luís Filipe Menezes, em 1995, aos “sulistas, elitistas e liberais” apoiantes de Durão Barroso, no confronto que este teve com Fernando Nogueira. É certo que em 1999, Durão Barroso assumiu a liderança do partido e desde aí, a aproximação ao programa liberal foi ziguezagueando, até encontrar em Passos Coelho um claro defensor do liberalismo.

                Ora, esta opção ideológica colocou o PSD afastado do centro, bem à direita. O PS fez o seu recente programa eleitoral apontando ao centro-esquerda, aproveitando a trincheira definida pelo PSD, durante a última governação e na própria campanha eleitoral.

Os resultados eleitorais das eleições legislativas demonstraram, entre outras coisas, a perda de 700 mil votos por parte da coligação PAF, relativamente a 2011. Acontece que estas centenas de milhares de votos, não tiveram a deslocação habitual para o partido do centro-esquerda. Desta vez, muitos desses eleitores migraram o seu sentido de voto mais para a esquerda, votando no Bloco de Esquerda, apesar de o PS ter reconquistado umas quatro a cinco centenas de milhares de votos. Ou seja, o descontentamento, o voto penalizador aos partidos do Governo, não seguiu a tradicional tendência de voto no partido da oposição ideologicamente mais próximo do centro. Uma tradição que ditou a alternância vitoriosa de PSD e PS, nos últimos 40 anos.

A partir da contagem dos votos das eleições legislativas e até aos dias de hoje, observamos o PS a abrir uma outra trincheira. Abandonou o centro, muito provavelmente com receio que o fenómeno europeu da radicalização atingisse o partido e o extinguisse. Com dois acordos, colocou-se mais à esquerda, agora bem no espectro do socialismo democrático.

Temos portanto, uma bipolarização da política nacional em dois blocos antagónicos: uma direita entrincheirada no liberalismo e a esquerda, por sua vez, alinhada atrás do socialismo democrático.

Com este cenário, havendo um vazio ao centro, devemos questionar o que irá acontecer à social-democracia no atual panorama político nacional?

Sem propostas para os eleitores que sempre preferiram partidos que promovessem a justiça social, com base na sociedade e não apenas no Estado, ficam dúvidas sobre em quem estes eleitores poderão votar. Poderia pensar-se ser o momento ou a oportunidade de formar-se um novo partido, no entanto, olhando para as movimentações de alguns militantes de ambos os partidos, é de crer que PSD e PS ainda se vão colocar de novo ao centro e até num futuro muito próximo.

Pelo caminho, haverá umas eleições presidenciais, em que um dos candidatos assumiu claramente a sua costela social-democrática e outra das candidatas também aposta nesse eleitorado, deixando os extremos entregues aos seus próprios protagonistas, com clara ausência da direita liberal. Portanto, haverá nos próximos meses, na política nacional “caça aos gambozinos” e estou convencido que ainda não será desta que os portugueses moderados, não serão decisivos em eleições.

            Apenas mais três parágrafos, para não defraudar os leitores, relacionando as eleições intercalares, para a Câmara Municipal de S. João da Madeira, com este fenómeno nacional em curso.

Não é clara a linha ideológica de cada força na política local. Direita conservadora em confronto com o centro-direita e a hipotética esquerda a sofrer duros ataques dos eleitos da CDU, além da normal dualidade PSD – PS são normais na história democrática. Para agravar a questão, as “alianças” políticas pós-eleitorais confundiram o eleitorado, não permitindo identificar blocos programáticos ou ideológicos na política local.

Como é lógico, o balanço da atividade da política em S. João da Madeira, resume-se basicamente à rejeição dos investimentos, municipais ou co-participados por fundos comunitários, dos últimos dois anos. E isso torna-se difícil de enquadrar, sobretudo quando em 2014 se rejeita um investimento de pouco mais de 2 milhões de euros e no ano seguinte, se aprova praticamente o mesmo valor para outros fins, sem, no entanto, o autorizar. Não existem gambozinos que entendam isto, por isso, as eleições intercalares do próximo dia 24 de Janeiro, serão um episódio circunscrito à realidade local, não havendo qualquer relação com a política nacional.

 

(a publicar no dia 19/11/15)