Há imagens que nos ficam na memória, a que não queremos sobrepor outras.
De Joaquim Carvalho, gostamos de o recordar como o Quim do Pé de Salsa. Evocamos o animador da nossa juventude, sempre disponível para nos servir, sempre dinâmico atrás do balcão, sempre feliz pela nossa presença, sempre acessível para ouvir novas correntes musicais, ou mesmo para voltar a músicas antigas.
Recordar o Quim, é um exercício de saudosismo. Dos anos despreocupados de adolescente e de jovem adulto. Das horas de folia, das noites com hora marcada para terminarem e que inexplicavelmente se prolongavam madrugada fora. Dos fins-de-semana com diversão em S. João da Madeira, ou em tempos anteriores, em Cortegaça.
Tinha a ideia de conhecê-lo desde a minha infância, ou seja, desde sempre. Mas, afinal, não foi assim. Conheci-o apenas nos primeiros anos da minha adolescência, na casa comercial que vendia discos, a Charlui. Eu era frequentador assíduo, após as minhas aulas e um dia apareceu por lá o Quim, sempre apressado, a conversar com o Fernando e logo a seguir a sair. Episódio que se repetiu algumas vezes. Meses mais tarde, descobri-o no Neptúlia, onde trabalhava, e fui cumprimentado de forma calorosa. Algo que ficaria para sempre.
Só me apercebi da sua capacidade de envolvência com os clientes, quando numa festa da AEJ, era necessário mais um voluntário, numa das coreografias, para representar um árabe, sendo sugerido o nome do Quim, pelos restantes elementos do elenco, todos eles clientes do Neptúlia. A sua interatividade e mobilização ficaram patentes quando passou a trabalhar no referido “Pé de Salsa”.
As noites nas imediações da Praça nunca mais foram as mesmas. Transmitia uma dinâmica extraordinária. Vi noites de casa cheia, com o caos instalado e o Quim aparecia após terminar uma outra tarefa e passava a servir cerveja após cerveja, até saciar a sede dos clientes e acalmar os seus ajudantes menos experientes. Era uma época de festas de casa cheia, umas programadas pelo calendário e outras espontâneas. Houve noites de bebidas a serem pagas apenas com uma moeda de dois escudos e cinquenta centavos, que já eram raras nos bolsos dos clientes. Houve noites com aulas de ginástica aeróbica. Houve muitos minutos a ouvir-se Fausto Bordalo Pinheiro, no meio de outras músicas de artistas de expressão anglo-saxónica.
E havia mais do que isso.
Muitas vezes, jantámos à mesma mesa, com mais companheiros e amigos. Fizemos noitadas fora do seu bar. Fomos ao futebol, para aplaudir a ADS. Em matéria futebolística era a única ponte em comum.
Quando a sua sociedade comercial encerrou, o Quim foi trabalhar para outro bar. Continuei seu cliente no Fora d’Horas. Só que tudo estava a mudar. Eu estava a deixar a vida de estudante e passava a ter que cumprir horários. O Joaquim deixava o serviço por detrás do balcão e partia para uma nova aventura. Os encontros passaram a ser ocasionais. No entanto, nos reencontros, recebia sempre o mesmo caloroso abraço. Vim a saber que estava empregado na FEPSA, como responsável de um setor da produção. Fiquei contente por ambas as partes, pois sendo conhecedor do processo produtivo, apercebi-me que a sua dinâmica seria extremamente importante para a empresa. Além disso, vim a constatar que a sua sinceridade e frontalidade, foram importantes para a sua integração e que muito contribuíram para fomentar o espírito de equipa na firma.
A última vez que estive com ele, disse-lhe que ainda me lembrava do seu tique, quando tinha que memorizar as tarefas a executar. Um gesto simples, colocava o dedo na testa e depois apontava uma determinada direção e indicava onde tinha que ir. Uma gesticulação que ajuda ao planeamento instantâneo e a que eu também recorro, naqueles momentos de aperto em que tenho de acompanhar de perto a produção, existindo várias tarefas urgentes a executar, para solucionar o imbróglio criado. Ficou surpreendido e reconhecido.
Não posso deixar de referir um episódio que demonstra a sua honestidade. Na aula de entrega de testes de matemática, o Quim tinha conseguido um bom resultado. A professora estava a enaltecer o seu esforço, o seu estudo por ter conseguido esse resultado. Elogio atrás de elogio e ao ouvir tamanho louvor, o Quim não se conteve e anunciou que tinha copiado o teste todo.
Para a posteridade, ficam estas imagens do Joaquim Carvalho: trabalhador, dinâmico, honesto e simples. Um grande homem.
(a publicar no dia 21/01/16)