terça-feira, julho 24, 2007

Última dose

No passado dia 17 de Julho, Rui Rio na qualidade de presidente da Câmara Municipal do Porto (CMP), anunciou o fim do Porto Feliz. Este projecto, para os leitores menos atentos, tratava-se de uma tentativa de tirar da rua os toxicodependentes que se dedicam a “arrumar” carros.
O projecto havia sido anunciado em 2001, por altura das eleições autárquicas. Basicamente, o PSD propunha-se corrigir a política do Governo de António Guterres desenvolvida, desde o ano de 1996, no apoio a toxicodependentes. Uma política com forte sentido de Estado, assentando os seus pressupostos com a proliferação de Centros de Apoios a Toxicodependentes (CAT) e a criação do IDT – Instituto da Droga e da Toxicodependência. Uma vertente do Estado social.
A contra-proposta de Rui Rio, obviamente com alguns aspectos positivos, consistia numa “política directa”, obrigando à retirada das ruas dos arrumadores – independentemente da sua motivação para o tratamento, procurando posteriormente tal como a política do Governo, a sua reabilitação e reinserção no mercado de trabalho. O princípio da autonomia do doente para aderir ao tratamento seria a principal diferença entre metodologias.
Em cinco anos, os técnicos do "Porto Feliz" contactaram 2500 arrumadores. Quase 700 aderiram ao programa e 334 ficaram livres da droga e prontos a serem reinseridos no mercado de trabalho, segundo dados do Jornal de Notícias. O financiamento deste programa era assumido pela CMP, pelo IDT e pela Segurança Social. Desde Novembro passado que o IDT – presidido por João Goulão - pretendia rever a sua participação, por considerar que as verbas envolvidas não eram comportáveis. O programa nacional tinha conseguido agilizar despesas e as facturas apresentadas pelo Projecto Porto Feliz eram superiores.
Essencialmente e na prática passou a não haver duplicação de projectos, com a mesma finalidade, na cidade do Porto. Uma racionalização de despesa e de meios operacionais que beneficiam o estado Português. Além de outros aspectos, mais importantes, como o real tratamento ao toxicodependente ser assegurado por técnicos inseridos numa lógica estatal, atenta a novas metodologias, a novas formas de dependência, entre outros benefícios.
Se no Porto, a aventura Camarária durou 5 anos, ao abrigo de um protocolo especial e o principal responsável tenha chegado à conclusão, que apesar do “número de arrumadores na cidade ter diminuído, não foram totalmente erradicados, como se pretendia inicialmente”, outros projectos municipais tiveram uma curta duração, sem que daí se possa tirar conclusões sobre o sucesso do mesmos.
Na toxicodependência, como admitiu Rui Rio, o sucesso é relativo. Apesar de todo o aparato do Porto Feliz a taxa de toxicodependentes recuperados e inseridos, segundo o próprio presidente da CMP, foi de 13%.
Em S. João da Madeira, procurou-se antecipar o lançamento do projecto portuense e lançou-se atabalhoadamente em 2002, o “Prevenir o Futuro”. Partindo de apoios institucionais, mais alguns parceiros abrangentes e algumas empresas locais, a Câmara Municipal apadrinhou durante alguns meses, este projecto, que desde logo foi classificado de pioneiro e pasme-se de sucesso!
Número finais nunca foram apresentados, nem de toxicodependentes contactados, nem de casos concretos de reabilitação, nem nada. Vários erros foram efectuados e não querendo enumerar todos, aqui ficam alguns:
- metodologia de tratamento sem credibilidade científica;
- recrutamento por coação de “cobaias”;
- equipas de rua de apoio a toxicodependentes sem técnicos especializados;
- demasiado voluntariado, com parceiros a assumirem terem encontrado a solução para todos os problemas do flagelo;
O erro maior foi não partir do diagnóstico efectuado desde 1999, pela valência de apoio a toxicodependentes da Santa Casa da Misericórdia – O Trilho e ignorar toda a experiência acumulada nesta área, pelas suas técnicas, já com três anos de trabalho de terreno naquela altura.
A história do projecto local “Prevenir o Futuro” terminou ao fim de dois anos. Apesar de durante o pretérito ano lectivo, a PSP local usar esse nome para as acções de informação e sensibilização (?) sobre o assunto, junto das crianças do ensino básico.
Antes do final do projecto, houve uma série de dissidências, desvirtuando a ideia original do mesmo. O auxílio dado pelo Governo, saído das eleições de 2002 e liderado por Durão Barroso, foi diminuindo à medida que o controlo do défice público se tornou imperativo e o sentido de Estado obrigou a repensar-se a política nacional, única, para a toxicodependência.
Desde o final de 2004 ou meados de 2005, com a ruptura do projecto “Prevenir o futuro” o apoio em S. João da Madeira a toxicodependentes tem sido assegurado pelo Trilho. A Santa Casa da Misericórdia honra lhe seja feita, apoiada quer pela Segurança Social, quer pelo IDT, na medida em que supervisionada pelo CAT da Feira, não fechou as portas a ninguém. Com as dificuldades inerentes, manteve o projecto em funcionamento, apesar de todo o ostracismo a que esta valência foi sujeita, por não apoiar o projecto colectivo da sociedade sanjoanense, privilegiando uma postura técnica e humanamente coerente.
A longevidade de O Trilho, mesmo sem saber os números de pessoas envolvidas ao longo destes anos, faz deste um projecto de sucesso. Recordo que o processo de reabilitação e reinserção de toxicodependentes no mundo de trabalho, já era prática comum em S. João da Madeira, com o apoio de várias empresas, desde o ano de 2000.
Tivesse o executivo municipal eleito no ano 2001 em S. João da Madeira, apoiado esta prática e aquilo que constantemente se afirma como um “projecto de sucesso” tinha-se realmente confirmado, provavelmente ainda “apoiado pela tutela”, mesmo com a eleição do Governo actual, dentro do entendimento de aprovação a projectos lógicos e não concorrentes entre o próprio Estado.
Com estupefacção, não vi este assunto a ser referido nas eleições autárquicas de 2005. O branqueamento do “Prevenir o Futuro” não passou despercebido e entendi tal facto, pelo compromisso dos partidos políticos para com os membros das suas listas, envolvidos neste projecto - por inerência de serem directores de alguma associação.
Aliás, curiosamente ainda hoje, no diagnóstico inicial da Rede Social - disponível na página da Câmara Municipal de S. João da Madeira na Internet - não é feita qualquer alusão à toxicodependência, como se esta não fosse preocupante, nem existisse no concelho e não fosse infelizmente visível por todos.
Não me querendo alargar mais, espero com isto ter esclarecido os leitores, em especial, aqueles que por várias razões procuram junto dos responsáveis municipais informações sobre este projecto, obtendo sempre uma resposta oficial que, incompreensivelmente, os satisfaz.

Férias

É bom manter tradições e a redacção do Jornal Labor mantém o espírito, antigo, de que em Agosto é tempo de férias. Têm razão. Provavelmente os leitores também estão de férias, fora da residência e por isso, não se justifica garantir a edição no oitavo mês do ano.
Seguindo este calendário de publicação do jornal, a minha colaboração pela escrita terá a sua paragem para outros ócios. Fica concluído o segundo ano de textos publicados, num ritmo médio quinzenal: em dois anos enviei quarenta e oito textos para um pouco menos de noventa e seis edições.
O tempo agora é de descanso. A todos os leitores: Boas Férias!!!

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