quarta-feira, outubro 15, 2008

Bem-vindo ao norte

A obra literária de Teixeira de Pascoaes é eterna. Este escritor de Amarante, poeta do Saudosismo, foi marginalizado pelo seu ideal nacionalista. Incompreendido pelos seus contemporâneos, que o acusavam entre outras coisas de utópico e passadista, o pensamento de Pascoaes atravessou o século passado e é hoje reconhecidamente um importante legado na percepção de quem somos e para onde vamos.

A retórica romântica, saudosista e sebastianista da utopia de Teixeira Pascoaes irrompeu devido à realidade humilhante e traumatizante existente em Portugal no período Oitocentista, após o ultimato Inglês.

Independentemente do esoterismo e misticismo incluídos na filosofia da saudade, Teixeira de Pascoaes criando a sua doutrina político-social (designadamente em “Arte de Ser Português”), observou detalhadamente as características do povo Português, sendo certo que quase um século depois, muitos conceitos descritos nas qualidades e defeitos da “Alma Pátria” perduram na nossa especificidade.

Na história das “Cortes” Portuguesas, peculiares desde a Fundação “pelo belo espírito de independência política” da intervenção do povo junto do Rei, limitando inclusivamente a sua acção, o escritor do Tâmega encontrou o suporte para contrapor à ideia de Estado centralizador, muito omnipresente (e omnipotente por influência francesa), o conceito do Município. Esperava Teixeira de Pascoaes, que o município fosse mais abrangente do que paróquias e freguesias; entre a família e a Pátria não existissem intermediários na forma de “partidos, facções, clientelas, etc.”; idealizou ainda o governo municipal, com a reunião desses governos a formar as “Cortes”, ou seja, o Estado.

Enganou-se, neste capítulo. Além disso, não previu que os Municípios fossem vitimas dos tais defeitos característicos do povo português, que segundo Pascoaes são: falta de persistência; vil tristeza; inveja; vaidade susceptível; intolerância; espírito de imitação.

Na prática poderíamos exemplificar cada um destes defeitos, pela seguinte correspondência: inúmeros projectos municipais esquecidos, num silêncio absoluto; abandono de áreas municipais ao estado decrépito; municípios correndo pelo investimento público, pela abertura de uma qualquer delegação do Estado, muitas vezes apenas para ultrapassar o concelho vizinho; o endividamento autárquico, nalguns casos problemático; assessores para tudo e mais alguma coisa ou empresas municipais constituídas com administradores a serem pagos principescamente, com activos a desvalorizarem constantemente e sendo a facturação inferior aos gastos dessas empresas; finalmente, a construção de quiosques ou cafés modernos em espaços públicos, ou de parques infantis com piso seguro, redes de ciclovias, ou o trânsito condicionado por rotundas e separadores são alguns dos exemplos das opções de algumas autarquias, que imitando o vizinho primam pela quantidade e pela extensão, ou então pela suposta qualidade superior.

Um século depois das palavras do referido escritor, vemos que a prática dos agentes do “município”, salvaguardada pela hipótese de substituição inerente aos regimes democráticos, reduziu quase tudo à lógica do feudalismo.

Apesar da melhoria significativa da qualidade de vida dos munícipes, o desenvolvimento estrutural do país não pode continuar dentro da lógica actual.

Uma nova entidade deveria surgir entre o Município e a Pátria.

As regiões poderão ser esse factor de desenvolvimento estrutural, sem qualquer perigo para o País, apesar de a Europa ser cada vez mais adepta da desagregação de Estados.

Sem querer seguir o texto pela enumeração de novos e inesperados adeptos da regionalização, nem pelo elogio à reorganização de vários Ministérios, de acordo com um mapa comum, sinto que a criação e aumento de competências das áreas metropolitanas das duas principais cidades do país e a forte unidade regional existente no sul do país, permitem encarar o desafio da regionalização de modo diferente da referendada e consequentemente derrotada “divisão” administrativa do país, proposta há dez anos.

Veja-se, como exemplo da nova sensibilidade para a regionalização, como o bairrismo sanjoanense tem sido substituído pelo orgulho de pertencer à Área Metropolitana do Porto.

Na Assembleia da República na semana passada arriscou-se discutir um assunto extra ao programa do partido que forma Governo.

De fora da sessão legislativa e do programa do actual Governo ficará a regionalização. Para as eleições de 2009 deverá constar do programa eleitoral de quase todos os partidos com assento parlamentar.

Quero tornar claro que no supracitado referendo votei duplamente não, em resposta àquelas perguntas disparatadas colocadas no boletim eleitoral. Para não ser mal interpretado por qualquer leitor mal intencionado sobre a minha vontade, se a regionalização voltar a ser apresentada de igual modo em próximo referendo, continuarei a votar não, embora reconheça vantagens competitivas na criação de regiões. Espero, contudo, que as designações futuras das regiões a criar no norte e centro do país, saiam da lógica actual e se enquadrem nos valores locais, tal como existe a sul: Algarve e Alentejo.



(a publicar no dia 16/10/08)

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