quarta-feira, outubro 08, 2008

Madrid

            As viagens ao abrigo de negócios têm um inconveniente, não controlamos o nosso tempo. A hora do voo de regresso condiciona o tempo que resta livre e por vezes, vemo-nos e desejamo-nos fazendo horas nos aeroportos para o início do check-in, ou por vezes em zonas pouco nobres de cidades cosmopolitas, acercadas do nosso imediato destino final.

            Em Madrid não foi assim.

            Após duas noites mal dormidas, com boa mesa e companhia animada, a actividade proposta terminava no final de uma tarde. O voo era apenas à noite e sobravam um par de horas, que nos permitiria aproximarmo-nos do centro da cidade. Oportunidade para uns comprarem as lembranças para familiares, outros para ver o pulsar de uma cidade.

            Numa qualquer rua, cujo nome nunca soube, perdi o meu olhar pelos transeuntes. Uma sensação fantástica de ver passar carros, pessoas, num dia abafado de Maio, ainda que encoberto.

            Na minha contemplação senti-me observado. Mirando em redor, vi um rosto sublime, com uns olhos igualmente belos a fixar-me. Uma elegante rapariga, bem vestida, não desviou o olhar e eu por uma única vez, perdi a vergonha, continuei a apreciá-la. Sorri, num sorriso meio tímido, sem saber se seria correspondido. A elegância da minha observadora transbordou com um belo sorriso, que faria perder o controlo a qualquer um.

            Afastados uns passos no passeio, eu encostado ao edifício, ela na beira do passeio, esperando um táxi. Uma curta distância separando duas vidas. O objecto esperado aproximava-se. Teria que decidir. Dava os passos, entrava no táxi, ou então, impedia-a de entrar, de forma educada e cortês. Ou pelo contrário, ficaria onde estava e sonharia.

            A decisão teria de ser rápida, tinha que ponderar entre a desconhecida, a aventura, o permanecer na grande cidade, o perder o avião e faltar ao trabalho nos dias seguintes e do outro lado da balança, o regresso à vidinha cumpridora e monótona. A prudência aconselhava ponderar a possibilidade de desilusão pela incerteza do momento.

            O táxi parou. A porta abriu-se. Um último olhar entre dois seres cruzou aquele passeio. Um novo sorriso. O corpo elegante desapareceu no interior do automóvel. A porta fechou-se e o carro arrancou logo. Não tive tempo para ver se a cabeça ainda se voltou. Outros carros taparam-me a visão.

            Uma voz chamou-me à realidade. “Pensei que perderia o avião!” – disseram-me. Acrescentando, “muito gira”.

            Uma mútua e sonora gargalhada, pôs uma pedra no assunto.

A vida por vezes, resume-se aos sonhos.

 

(texto a publicar (?) no dia 9/10/08)

 

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