quarta-feira, dezembro 03, 2008

Da Sétima

            O meu interesse pelas artes começou no cinema.

            O privilégio de viver perto do Porto, permitia-me aceder à cidade e no raio de um quilómetro ter várias salas de cinema à disposição. Logo na Praça, junto à paragem de autocarros, havia quatro salas, duas em pleno Batalha, uma ao lado e outra em frente, no Teatro S. João, convertido em sala de projecção. Também o Coliseu e a sua sala mais moderna e apropriada, Passos Manuel, tinham sessões cinematográficas. Nessa rua mais uma sala e descendo um pouco, havia mais oferta, em duas salas de Teatro convertidas à sétima arte. Sem caminhar muito, podia-se aceder ao bestial cinema Trindade, ou optar pelas duas salas do moderno Lumière, ou ainda pelo Teatro Carlos Alberto, ainda com sessões. Um total de treze salas, que não era a totalidade da oferta da cidade.

            Isto em meados da década de oitenta do século passado e beneficiando de um tarifário de autocarro extremamente baixo, que permitia a deslocação de S. João da Madeira para o Porto, por apenas cinquenta escudos. Estes dois factores, de forma conjunta para quem tinha horário disponível para assistir a sessões com transporte colectivo assegurado, ou isoladamente em horários complementares aos profissionais, permitiram a várias pessoas desta cidade assistir a sessões de filmes, que no nosso imaginário são sempre lembradas como empolgantes.

            Este gosto pelo cinema já se fazia sentir num passado mais remoto, só que o declínio de assistência nas sessões projectadas no cinema Imperador, suportada por uma programação intratável, traduziu-se na proliferação de vários clubes de vídeo na cidade, alguns dos quais resistentes e com mais de vinte anos de existência.

            Esta adoração pelo cinema e pelo vídeo são sinais de que a cidade jamais foi um local habitado por gente acéfala.

            Se o aluguer de k7 e DVD permitiam seguir os filmes mais comerciais, mais procurados pelo grande público, existia e ainda subsiste uma série de filmes de culto disponíveis para arrendamento.  

            Foi através deste sistema que mais tarde acedi à história do cinema americano, aos êxitos de Hollywood dos anos 60 e 70 e a muitos dos anos 80, que a pouca idade não me autorizava a visionar.

            Descobri desta forma uma série de filmes das verdadeiras lendas do cinema e pude apreciar o talento de carismáticos actores, actrizes e de vários realizadores arredados da televisão e afastados pelo tempo das grandes salas.

            A maioria dos filmes de Paul Newman, de quem sou apreciador, descobri-os em casa, no sistema Betamax. Em Setembro, no dia seguinte ao da sua morte, depois de lidas as notícias referentes, procurei imagens dos seus filmes na internet. A certa altura, estava a recordar Steve Mcqueen.

            Um exercício que, vim a verificar, aconteceu a muita boa gente.

            Provavelmente pela semelhança na cor dos olhos.

            Ou pelo rótulo de grandes actores desaparecidos.

            Alguns lembraram-se da sua juventude, no processo de procura de identidade e com a identificação pelas personagens interpretadas por actores de cinema. Tudo distante da maturidade.

            Ao rever, por mero acaso, “A grande evasão” percebi porque tinham surgido as saudades pelo desempenho do actor. Desviado das performances de moto, havia, haverá outros valores a destacar. A coragem, a iniciativa, a expressão irrequieta, os olhos sem tréguas ao azul, tentando perceber se, afinal de contas, a inquietude da juventude é coisa para um homem crescido fazer. 

 

 

(a publicar no dia 04/12/08)

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