terça-feira, dezembro 16, 2008

Nitrato do Chile

 

            Um pouco por todo o país, mais nos meios rurais, agrícolas se preferirem, era comum encontrar-se nas fachadas de algumas casas, uns painéis publicitários, formados por azulejos, com a silhueta de um cavaleiro e a sua montada em tons negros, sobre um fundo amarelo, representando as cores do amanhecer, com as inscrições "Adubai com Nitrato do Chile". Além deste produto, havia publicidade utilizando o mesmo suporte aos portuguesíssimos pneus "Mabor General", com esta inscrição a preto, envolvida pelo G a vermelho, sobre azulejo branco.

            Alguns subsistiram ao tempo e ainda se conservam nos locais onde foram implantados. Eram os meios de propaganda do Portugal dos anos 70, da minha meninice. Além destes, era frequente encontrar-se na estrada, os pitorescos cartazes do "Licor Beirão", numa época em que na televisão, se repetia as maravilhas do "restaurador Olex" e da "pasta medicinal Couto".

            Poderia evocar o "homem da Regisconta", a figura escura da capa do "Porto Sandeman", partir daqui para outros anúncios televisivos, tipo o da "Laranjina C", ou os históricos da "Citroën", ou da "Coca-Cola" e de recordação em lembrança, perfilhava-se uma série completa, tipo "Anúncios de Graça", completando com os produtos industriais da cidade de outrora, os reclames luminosos "máquinas de costura Oliva" e o boneco dos "colchões Molaflex". 

            Atalhando, porque a hora de fecho da edição começa-se a aproximar e a redacção perde a paciência com os meus atrasos, volto aos nitratos, para justificar a sua evocação. Uma referência ao composto químico, à guerra do Pacífico, entre vários países sul-americanos, apareceu nas minhas incursões literárias. Só por aqui, já tinha premissa justificativa para a recordação.

            Continuando no Chile, evoco agora escritos curiosos pela mão de uma geração de escritores, que viveram na juventude a ilusão da vitória democrática do socialismo. Quando iniciaram as suas prosas muitos anos mais tarde, não é raro encontrar-se as menções a familiares incompreendidos, não alinhados na aventura colectiva e também não indiferentes à revolução militar, reprovando-a. Normalmente, com a incerteza literária, esses antepassados dos escritores são referidos de forma respeitosa e sente-se nas palavras escolhidas uma ponta de nostalgia, por só perceberem os pensamentos desses familiares, pelo traquejo adquirido.

            Desenrolando… eram pessoas que acreditavam sobretudo na humanidade. Uma ideia utópica com traços comuns na obra literária de Miguel Unamuno e Frederico Lorca, para citar escritores ibéricos, finalizando com Miguel Torga e Teixeira de Pascoaes. Repugnava-lhes qualquer ideia de Estado centralizador.

            Apressando o raciocínio…

            Nos tempos actuais, assistimos ao regresso do Estado a vários sectores da nossa vida social. Se esta preocupação é felizmente comum às várias ideologias políticas, não sendo exclusiva de nenhuma sensibilidade, nem partido político, como em tempos defendi nas páginas deste jornal (Setembro de 2007), já a interferência do Estado nos mais variados sectores, é mais difícil de enquadrar na generalidade dos partidos políticos Portugueses.

            Nos últimos anos temos assistido à "municipalização" de S. João da Madeira! Quem observar com atenção as páginas dos jornais locais, verifica com facilidade o peso da Autarquia na edição de notícias. Além dos relatos das reuniões Camarárias, das Assembleias Municipais e de Freguesia, existem várias páginas dando conta de obras em curso, inaugurações e projectos futuros. Fora esta perspectiva de construção, temos uma série de iniciativa promovidas… pela Autarquia, ou com a sua bênção, nas mais variadas áreas. Ou então, a lista de subsídios atribuídos… pela autarquia. E no meio disto tudo, surgem artigos de "opinião" que compilam as notas informativas emitidas… pela autarquia. A situação é de tal forma asfixiante, que chegou-se ao ponto de se transcrever afirmações de um programa televisivo de debate político nacional, no qual o Presidente da autarquia faz parte do painel de comentadores (obviamente o visado não tem qualquer interferência no assunto).

            Numa cidade que é reconhecida pela sua capacidade empreendedora, pela iniciativa das suas gentes, pelo dinamismo dos seus empresários, verificamos que algo está errado. Entre o que as notícias publicadas transcrevem e o que deveria ser uma cidade activa e criativa, existe uma grande diferença. Salvo raro excepções, como por exemplo, a recente acção promovida por um grupo de empresários na Rua do Dourado, criando um espaço de apoio aos pais, que pretendendo fazer as suas compras nesta quadra de Natal, na zona pedonal, podem ali deixar os seus filhos entretidos.

          Não me alongo mais, até porque o limite de espaço e de tempo pretendido pela redacção já foi ultrapassado.

            Para facilitar as próximas edições do jornal, decidi entrar de férias das escritas até Janeiro. Por isso, envio a todos os leitores votos de umas ecuménicas Boas Festas.
 
(a publicar dia 18/12/08)

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