quarta-feira, julho 28, 2010

sinais do tempo

            A frase “não devemos voltar a um lugar onde fomos felizes” é a atribuída a Agatha Cristhie. Não vou ajuizar os seus escritos, até porque não conheço o contexto da qual é retirada e isso é sempre importante para entender completamente uma citação. Extractos retirados da literatura não devem ser utilizados como mandamentos. Se tenho que voltar a um lugar, regresso. Não espero encontrar o que vivi anteriormente. O tempo não volta para trás. Por isso, a expectativa ao reencontrar os espaços já visitados, é procurar novas experiências.

            Respondendo a um pedido dos meus filhos, voltei a acampar. Não o fazíamos há seis anos. Na hora da escolha do parque, não tive dúvidas. Numa aldeola da beira alta, concelho de Sátão, havia montado tenda para três, tendo o meu filho um ano e meio. Dois anos volvidos, regressei ao mesmo parque. A família com um novo elemento, estreando-se no campismo com um ano e três meses. Depois disso nunca mais armei tenda. Ingressar num parque de campismo, com todas as implicações associadas, só poderia ser no mesmo. Desta vez sem fraldas, sem sestas para crianças, sem biberões de leite, nem sopas apropriadas a idades infantis. Só poderia correr bem. E assim foi. O encantamento provocado nas crianças valeu o esforço. Sem qualquer memória de acampar, tudo lhes pareceu novo.

            Existe quem tenha reescrito a frase com que inicio este texto, modificando-lhe o sentido “devemos voltar a um lugar onde fomos infelizes”. Sinceramente, penso já ter experimentado. Não por qualquer tentativa de modificar o curso da minha vida. Por acaso, por coincidência e de todas as vezes que regressei a um desses locais, fiquei com a sensação de me sentir mal, sem perceber muito bem o motivo. Contudo, se me apercebo de estar a cometer o mesmo erro, procuro tirar a melhor satisfação do meio que me envolve, para não ficar associado a experiências negativas.

            Por falar em experiências, regresso várias vezes a algumas abandonadas no passado. Tenho a sensação que algo ficou por fazer e procuro completar. Já por aqui relatei a sensação de alegria que tive em saber a fórmula para resolver o cubo de Rubik. Experiência semelhante fui vivendo este ano, ao retirar do sótão de casa dos meus pais, o meu baixo eléctrico. As primeiras notas tocadas corresponderam a duas músicas da Joy Division. Ficaram em memória estes anos todos. Uma linha de baixo simples, do período urbano - depressivo. Recuei 20 anos, inscrevendo-me em aulas, para aprender um pouco mais sobre o instrumento e melhorar o meu conhecimento sobre música.

            Haverá outras práticas que um dia poderão ser recuperadas. Da infância, ou da adolescência, como referido e começa a fazer sentido resgatar as experiências maltratadas da primeira idade adulta.

            É curioso, até há dois anos, raramente olhava para trás.

            Pode ser consequência da passagem do tempo.

            Certo é que no dia em que se publica esta edição do labor, vou assistir ao concerto de Caetano Veloso, no Coliseu do Porto. Vinte e oito anos depois do seu álbum Cores e Nomes, um dos primeiros que ouvi insistentemente.

            Boas Férias.

 

(a publicar no dia 29/07/10)

quarta-feira, julho 21, 2010

No prelo

No prelo

                Torre norte do World Trade Center, pelas 8 horas e 45 minutos do dia 11 de Setembro de 2001. O grupo de pessoas transportadas num dos elevadores desconhece o final da curta ascensão. Dos ocupantes, três mantêm uma amena conversa e os oito restantes escutam-nos, não revelando qualquer manifestação de interesse. A conversa é entre membros de uma organização não governamental, uma minoria de altruístas, por oposição à indiferença da maioria. John Duckley, defensor da livre circulação de pessoas à escala global - “em homenagem à minha origem irlandesa”, segundo o próprio – o seu entusiasmo contagiante, esconde um ser frágil, com um passado cheio de recalcamentos. Hadiya al-Marakibi uma exilada síria - procurando argumentos para contrariar a desigualdade da condição feminina no seu país de origem - alia o exotismo a uma falsa ingenuidade, tornando-se por isso, uma consistente manipuladora e uma forte negociadora. Jim Motion, advogado especializado em legalizar clandestinos, inconformado na sua actividade, persistente e cosmopolita é o cerne da narrativa. O contraste com os ouvintes mais preocupados com novos modelos de SUV, o obrigatório consumo de combustível elevado; ou com as rentáveis aplicações financeiras não chega a ser evidenciado pelo trágico acontecimento ocorrido segundos depois. O que sobra do relato é a diferença económica no mundo. As migrações humanas. O papel da religião como incentivo à guerra entre povos. O destino irónico de três filantropos que procuravam auxílio para a sua causa – direitos humanos nos países muçulmanos. A ascensão naquela manhã pode figurar como metafórica, relacionando-a com a duração da vida humana. Com o sentido da vida humana…

 

                Umas linhas encarreiradas, preparadas para algo que exigirá um fôlego extraordinário e tempo, sobretudo, tempo para empreitadas criativas.

                Por enquanto, limito-me a preparar a mala para as férias anuais. Este ano vou incluir três volumes do escritor local Manuel Córrego. Mais uns volumes de escritores nacionais, publicados na década de oitenta e mais uns quantos de autores estrangeiros. Para todos vou continuar a utilizar a técnica de leitura dos dois marcadores. Um indica a página que estamos a ler e o segundo marca o objectivo – que pode ser o final do capítulo, ou uma determinada página. Com este método, passei a rapidamente devolver livros à prateleira. Anteriormente utilizava a técnica de navegação Bojador - Boa esperança. Fácil de explicar, as primeiras páginas eram lidas sem grande velocidade, com grande sofrimento (correspondendo aos avanços dos navegadores ao longo da costa africana no século XV), até descobrir o rumo da prosa escrita (obviamente correspondendo à passagem do segundo cabo, acima mencionado). Raro era o livro com o fio condutor a ser descoberto no inicio.

                Pode ser que haja uma melhoria pessoal na técnica da escrita e o alento para publicação de uma maior quantidade de palavras seja conquistado.

 

(a publicar no dia 22/07/10)

 

quarta-feira, julho 14, 2010

A Sul

            Falésias limitam o oceano e entrincheiram areias acumuladas. A erosão nestas rochas é visível pelos penhascos isolados no mar. Um ou outro continua ligado ao maciço, embora furado, permitindo a passagem sob um arco insustentável. A paisagem natural altera-se com outros elementos geográficos inerentes e as praias, consequentemente, surgem mais amplas e extensas. A intervenção humana condicionou os restantes elementos naturais. A ambição de construir moradias e apartamentos junto ao mar alterou toda a paisagem. Os atropelos ambientais e urbanísticos foram-se sucedendo em nome do desenvolvimento turístico. O indefensável conceito, pela ausência de qualidade, obrigou à mudança. Intervenções municipais tentam disfarçar os erros do passado. Inalterável fica a implantação de muralhas de betão, a sobrelotação na época estival, com todas as consequências intrínsecas.

            Em época baixa, a paisagem humana no Algarve é outra. Por detrás da invasão de verão, o encontro de nacionalidades é espantoso. Aprecio em menos de meia hora a passagem de indianos, chineses, outros asiáticos com turbantes na cabeça, mulheres de rosto totalmente tapado, outras com um véu na cabeça, africanos, magrebinos com as suas carpetes para venda aos ombros e peruanos, que à noite se fantasiam com penas como se fossem actores secundários num filme de Hollywood. O desfile continua com brasileiros e ucranianos. Num restaurante, cujo dono é de origem turca, os empregados portugueses conversam amenamente com o cliente de nacionalidade uruguaia, perguntando-lhe pelo número de anos de radicação. Não percebo qual é a sua actividade, fiquei a saber que por ali está há nove anos. Todos estes casos correspondem a pessoas ou seus familiares que encontraram trabalho por aquelas bandas, cruzando-se comigo num momento de pausa.

            Nas ruas, o linguajar de outros povos europeus, ouve-se a qualquer hora. Turistas de sempre. Mais audíveis e visíveis, quando os que vão “para fora cá dentro” são em menor número.

            Um holandês sabendo um dos meus apelidos – Silva – refere-me como curiosidade o número de habitantes do Sri Lanka com apelido igual ao meu, além de outros de origem portuguesa.

            A migração como um acto humano primário.

            Longe da época do turismo em volume, o clima é reconfortante.

            O mar tem a mesma cor.

            As falésias são igualmente erodidas.

            Os prédios estão vazios, os apartamentos fechados, as moradias de igual modo.

            Nas ruas, passeia-se menos gente. Nas praças consegue-se uma sombra. As esplanadas têm pelo menos uma mesa e por todo o lado ser atendido, não é um acto de desespero.

            As praias estão menos povoadas.

            Tudo isto lembra verões passados.

            Para completar a nostalgia, a recordação das noites passadas ao ar livre: em sessões de cinema ou sentado numa qualquer esplanada de um bar ouvindo Orange Juice. O mais difícil será repetir esta última experiência.

 

(a publicar no dia 15/07/10)

terça-feira, julho 06, 2010

A banhos

Nas livrarias enquanto procuro novos títulos, novas leituras de autores consagrados ou de outros mais desconhecidos, abro alguns livros e faço uma curta leitura. Por vezes, desiludo-me. Outras, chego mesmo a surpreender-me. Num livro de contos, uma colectânea de vários autores, um deles assina com o nome de família comum ao meu. Na narrativa reconheço factos pessoais, pequenos indícios da sua vida. Um primo. Confirmo por sms a autoria e coloco o livro nas escolhas.

Aprofundo, descubro obras de escritores eternos. A curiosidade faz-me ler um pequeno excerto de um conto de Italo Calvino: “Quando tomava banho numa praia ocorreu à Srª. Isotta Barbarino um desagradável contratempo. Nadava ela ao largo, quando, parecendo-lhe altura de regressar, e já se dirigia para a margem, se apercebeu de que um facto irremediável acontecera. Perdera o fato de banho”. Sorrio-o. Fecho o livro. Saio da livraria e fico a imaginar o aperto da desgraçada senhora. Não resisto a alinhavar ideias, efabular, dando sequência ao contratempo da banhista.

A primeira ideia da Sr.ª Isotta Barbarino ao ver-se sem fato de banho, foi procura-lo, no pressuposto que este estivesse a boiar nas suas imediações. Não encontrando nada, afundou-se, evitando expor a sua nudez fora de água, procurando o fato de banho submerso, durante o tempo de apneia. Desistiu da ideia, estava a ser cansativo e pouco produtivo.

Voltou-se para a margem. Por sorte o seu marido estava a borda de água. Com o braço a Sr.ª Isotta Barbarino acenou-lhe. O marido respondeu. A atenção estava captada. A Sr.ª Isotta Barbarino fez um gesto chamando-o. Primeiro com uma mão, depois com a outra, em seguida com as duas. Enquanto gesticulava, passou a chamar pelo marido: Lucas!

Na margem, o Sr. Lucas Barbarino via a esposa a gesticular e percebeu que ela o chamava, só não percebia o que dizia. Voltou a acenar-lhe. A Sr.ª Isotta Barbarino continuou com os gestos e pedia-lhe para ele entrar na água e se aproximar. Como a esposa não saía do seu local e sendo uma óptima nadadora, o Sr. Lucas Barbarino entendeu que a Sr.ª Isotta Barbarino estava aflita dentro de água. Todo aquele acenar era para o chamar, pedindo-lhe socorro.

Dentro de água, a Srª. Isotta Barbarino viu o marido a desatar a correr pelo areal até encontrar o nadador salvador. Mais constrangida ficou, quando o vigilante entrou no mar em cima de uma prancha de surf e se começou a aproximar dela.

O nadador salvador sentiu que algo de estranho se passava, pela cara embaraçada da Sr.ª Isotta Barbarino. Todo o corpo da senhora permanecia tranquilo debaixo de água e o seu único movimento foi segurar-se à prancha calmamente, com apenas uma mão. O banheiro arregalou os olhos e em pânico exclamou: Mas, a senhora está nua! A Srª. Isotta Barbarino respondeu-lhe: Por isso! Senti tanto frio.

Regresso à livraria alguns dias depois e não encontro o livro. Procuro na estante, pergunto na caixa. Nada. Além disso, tenho sempre dificuldade em lidar com o nome de livros e por vezes, até de autores. Esta inaptidão de memória torna difícil a correcta transmissão de informação para quem está a trabalhar. Poderia relatar episódios caricatos. O certo, é que até hoje, nunca mais voltei a ver aquele livro, mesmo nas mais consagradas livrarias. Acredito que um dia conseguirei encontrar o resto de enredo.

O final do banho da Sr.ª Isotta Barbarino, perpetuado pelo escritor italiano, poderá ser do conhecimento de alguns leitores. Para esses as minhas linhas poderão parecer ousadia. No entanto, a intenção era apenas recriar um pequeno apontamento de humor. Nada mais.

(a publicar no dia 8/07/10)