quarta-feira, julho 14, 2010

A Sul

            Falésias limitam o oceano e entrincheiram areias acumuladas. A erosão nestas rochas é visível pelos penhascos isolados no mar. Um ou outro continua ligado ao maciço, embora furado, permitindo a passagem sob um arco insustentável. A paisagem natural altera-se com outros elementos geográficos inerentes e as praias, consequentemente, surgem mais amplas e extensas. A intervenção humana condicionou os restantes elementos naturais. A ambição de construir moradias e apartamentos junto ao mar alterou toda a paisagem. Os atropelos ambientais e urbanísticos foram-se sucedendo em nome do desenvolvimento turístico. O indefensável conceito, pela ausência de qualidade, obrigou à mudança. Intervenções municipais tentam disfarçar os erros do passado. Inalterável fica a implantação de muralhas de betão, a sobrelotação na época estival, com todas as consequências intrínsecas.

            Em época baixa, a paisagem humana no Algarve é outra. Por detrás da invasão de verão, o encontro de nacionalidades é espantoso. Aprecio em menos de meia hora a passagem de indianos, chineses, outros asiáticos com turbantes na cabeça, mulheres de rosto totalmente tapado, outras com um véu na cabeça, africanos, magrebinos com as suas carpetes para venda aos ombros e peruanos, que à noite se fantasiam com penas como se fossem actores secundários num filme de Hollywood. O desfile continua com brasileiros e ucranianos. Num restaurante, cujo dono é de origem turca, os empregados portugueses conversam amenamente com o cliente de nacionalidade uruguaia, perguntando-lhe pelo número de anos de radicação. Não percebo qual é a sua actividade, fiquei a saber que por ali está há nove anos. Todos estes casos correspondem a pessoas ou seus familiares que encontraram trabalho por aquelas bandas, cruzando-se comigo num momento de pausa.

            Nas ruas, o linguajar de outros povos europeus, ouve-se a qualquer hora. Turistas de sempre. Mais audíveis e visíveis, quando os que vão “para fora cá dentro” são em menor número.

            Um holandês sabendo um dos meus apelidos – Silva – refere-me como curiosidade o número de habitantes do Sri Lanka com apelido igual ao meu, além de outros de origem portuguesa.

            A migração como um acto humano primário.

            Longe da época do turismo em volume, o clima é reconfortante.

            O mar tem a mesma cor.

            As falésias são igualmente erodidas.

            Os prédios estão vazios, os apartamentos fechados, as moradias de igual modo.

            Nas ruas, passeia-se menos gente. Nas praças consegue-se uma sombra. As esplanadas têm pelo menos uma mesa e por todo o lado ser atendido, não é um acto de desespero.

            As praias estão menos povoadas.

            Tudo isto lembra verões passados.

            Para completar a nostalgia, a recordação das noites passadas ao ar livre: em sessões de cinema ou sentado numa qualquer esplanada de um bar ouvindo Orange Juice. O mais difícil será repetir esta última experiência.

 

(a publicar no dia 15/07/10)

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