terça-feira, julho 06, 2010

A banhos

Nas livrarias enquanto procuro novos títulos, novas leituras de autores consagrados ou de outros mais desconhecidos, abro alguns livros e faço uma curta leitura. Por vezes, desiludo-me. Outras, chego mesmo a surpreender-me. Num livro de contos, uma colectânea de vários autores, um deles assina com o nome de família comum ao meu. Na narrativa reconheço factos pessoais, pequenos indícios da sua vida. Um primo. Confirmo por sms a autoria e coloco o livro nas escolhas.

Aprofundo, descubro obras de escritores eternos. A curiosidade faz-me ler um pequeno excerto de um conto de Italo Calvino: “Quando tomava banho numa praia ocorreu à Srª. Isotta Barbarino um desagradável contratempo. Nadava ela ao largo, quando, parecendo-lhe altura de regressar, e já se dirigia para a margem, se apercebeu de que um facto irremediável acontecera. Perdera o fato de banho”. Sorrio-o. Fecho o livro. Saio da livraria e fico a imaginar o aperto da desgraçada senhora. Não resisto a alinhavar ideias, efabular, dando sequência ao contratempo da banhista.

A primeira ideia da Sr.ª Isotta Barbarino ao ver-se sem fato de banho, foi procura-lo, no pressuposto que este estivesse a boiar nas suas imediações. Não encontrando nada, afundou-se, evitando expor a sua nudez fora de água, procurando o fato de banho submerso, durante o tempo de apneia. Desistiu da ideia, estava a ser cansativo e pouco produtivo.

Voltou-se para a margem. Por sorte o seu marido estava a borda de água. Com o braço a Sr.ª Isotta Barbarino acenou-lhe. O marido respondeu. A atenção estava captada. A Sr.ª Isotta Barbarino fez um gesto chamando-o. Primeiro com uma mão, depois com a outra, em seguida com as duas. Enquanto gesticulava, passou a chamar pelo marido: Lucas!

Na margem, o Sr. Lucas Barbarino via a esposa a gesticular e percebeu que ela o chamava, só não percebia o que dizia. Voltou a acenar-lhe. A Sr.ª Isotta Barbarino continuou com os gestos e pedia-lhe para ele entrar na água e se aproximar. Como a esposa não saía do seu local e sendo uma óptima nadadora, o Sr. Lucas Barbarino entendeu que a Sr.ª Isotta Barbarino estava aflita dentro de água. Todo aquele acenar era para o chamar, pedindo-lhe socorro.

Dentro de água, a Srª. Isotta Barbarino viu o marido a desatar a correr pelo areal até encontrar o nadador salvador. Mais constrangida ficou, quando o vigilante entrou no mar em cima de uma prancha de surf e se começou a aproximar dela.

O nadador salvador sentiu que algo de estranho se passava, pela cara embaraçada da Sr.ª Isotta Barbarino. Todo o corpo da senhora permanecia tranquilo debaixo de água e o seu único movimento foi segurar-se à prancha calmamente, com apenas uma mão. O banheiro arregalou os olhos e em pânico exclamou: Mas, a senhora está nua! A Srª. Isotta Barbarino respondeu-lhe: Por isso! Senti tanto frio.

Regresso à livraria alguns dias depois e não encontro o livro. Procuro na estante, pergunto na caixa. Nada. Além disso, tenho sempre dificuldade em lidar com o nome de livros e por vezes, até de autores. Esta inaptidão de memória torna difícil a correcta transmissão de informação para quem está a trabalhar. Poderia relatar episódios caricatos. O certo, é que até hoje, nunca mais voltei a ver aquele livro, mesmo nas mais consagradas livrarias. Acredito que um dia conseguirei encontrar o resto de enredo.

O final do banho da Sr.ª Isotta Barbarino, perpetuado pelo escritor italiano, poderá ser do conhecimento de alguns leitores. Para esses as minhas linhas poderão parecer ousadia. No entanto, a intenção era apenas recriar um pequeno apontamento de humor. Nada mais.

(a publicar no dia 8/07/10)

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