quarta-feira, julho 25, 2012

Unhas Negras

Ao longo dos séculos, o povoamento na região entre o Douro e Vouga evoluiu de forma semelhante à que é relatada na historiografia nacional:

1)    A existência de ruínas de castros, ou de vestígios arqueológicos de origem celta, em locais como Crestuma, Pedroso, Romariz, Ul e Ossela demostram a existência de aglomerados populacionais dispersos e com ineficiente ligação entre si.  

2)      A chegada dos romanos à Península Ibérica trouxe melhorias significativas, sobretudo, pela construção da via entre as cidades correspondentes às atuais Braga e Coimbra. Atravessada pela via romana - como prova o marco miliário no concelho de Oliveira de Azeméis - desenvolveram-se nesta região as povoações de Cale, Lancóbriga e Talábriga, cuja localização, com exceção da primeira, é ainda hoje objeto de estudo e de várias interpretações.

3)     A revolução económica introduzida pela invasão muçulmana, com uma nova moeda a circular; com o fomento do comércio com o exterior e sobretudo, com a construção de uma via terrestre mais próxima do mar; com a dinamização do porto de Cabanões - entreposto de pescado e de sal - modificaram o equilíbrio populacional existente na região.

4)    A reconquista cristã encontra esta região com a sua povoação mais desenvolvida próxima do mar, embora afastada o suficiente para se proteger dos ataques sanguinários dos nórdicos, vulgarmente conhecidos por vikings, defendida por um castelo voltado para norte e para poente e sobretudo, tendo como principal atividade económica, a realização de uma feira anual.

5)    Durante os séculos seguintes, as Terras de Santa Maria, limitadas a norte pelo Rio Douro, a sul pelo Rio Antuã, a este pelo rio Arda e a oeste pelo Oceano Atlântico tiveram o seu período medieval, com a liderança regional dos senhores do castelo.

6)    Os forais manuelinos no século XVI criam vários concelhos na região, um dos quais, o da Vila da Feira, com mais de sessenta freguesias.

7)    O fim do condado, no século XVIII, possibilitou o aparecimento do concelho de Oliveira de Azeméis. A reforma liberal, já em pleno século XIX de Mouzinho da Silveira manteve-o, agregando, entre outras, duas freguesias, que pertenciam ao concelho de Vila da Feira: Arrifana e S. João da Madeira.

8)    No início do segundo quartel do século XX, em pleno regime republicano, Arrifana regressa ao seu concelho de origem e S. João da Madeira emancipa-se.  

A industrialização deste concelho, apoiada pelo desenvolvimento de vias de comunicação, como a ferrovia do Vouga e a melhorada estrada Porto – Lisboa, fixaram a população e permitiram o seu desenvolvimento demográfico. No entanto, a indústria aumentava e diversificava as áreas de negócio. A mão-de-obra no concelho era insuficiente e havia necessidade de a recrutar nas freguesias vizinhas. O apelo industrial era mais forte do que o quotidiano miserável da agricultura de subsistência. Lentamente os campos foram colocados em segundo plano e o ingresso natural nas indústrias de S. João da Madeira tornou-se no dia-a-dia dos habitantes das freguesias vizinhas.

Um novo conceito de comunidade estabeleceu-se na região. A vivência comum em período laboral, não criou qualquer tipo de hierarquia entre os habitantes de freguesias vizinhas. Antes pelo contrário, como se pode analisar através das opções do fundador da empresa Molaflex.

As ações de cidadania não ficaram limitadas às paredes das diversas indústrias. A evolução do emprego em S. João da Madeira, com comércio e serviços, permitiu a oferta de diversas oportunidades à população desta pequena região. Por outro lado, a procura das escolas desta cidade pelas crianças e jovens - acompanhando o movimento diário dos seus pais - e noutra perspetiva o complemento ao ensino, através da formação em artes nas instituições municipais, ou pela prática de desporto nas associações locais, aumentaram o espírito de comunidade entre terras vizinhas.    

É para mim evidente que o esforço, o empenho dos operários, colaboradores de empresas, retratados por João da Silva Correia e oportunamente homenageados pela cidade, com a edificação de monumentos, não se cinge aos habitantes de S. João da Madeira.

Somos todos Unhas Negras. Os daqui e os que dormem em Milheirós de Poiares.

Mas também os outros vizinhos…

Resta-me espaço, para desejar boas férias aos leitores do labor.

 

(a publicar no dia 26/07/12)