sexta-feira, dezembro 13, 2013

Natal

                Quem escreve um texto alusivo ao Natal corre sempre o risco da apreciação moral. Existe uma curiosidade do leitor em descobrir as intenções espirituais do autor do texto, ou em descobrir hábitos familiares. A exposição de alguma privacidade dos rituais das festividades, como, por exemplo, a ementa da ceia ou os presentes trocados durante a noite são predicados de fanfarrice, que são relevados para um plano secundário na quadra natalícia.
                 A tendência de quem escreve é encontrar uma originalidade, uma forma criativa, para fugir aos estereótipos dos textos da época, sem cair na fórmula simples dos apelos às tradições simples, ao lado religioso, ao espirito solidário e fraternal do Natal, sem esquecer a festa da família.
                Fazer uma citação é outra das fórmulas de escrita possível. Evocar a propósito o Papa Francisco, o pontífice apreciado pelos descrentes, sempre prontos para apontar erros expiados e encontrar nas ações e palavras do cardeal argentino a originalidade esquecida do cristianismo, é uma referência pouco original.
                Explicar que mesmo em época de crise, a troca de presentes não é um ato discriminatório e pode ser um incentivo à economia e à melhoria da condição dos comerciantes, bem como, de alguns produtores, todos eles empregadores nacionais, é uma posição demasiado redutora para um texto, que se pretende diferenciador.
                Por isso, se o leitor não espera encontrar nada do que atrás mencionei, pode continuar a leitura.
                Vivi sempre a noite de consoada, distante da minha terra natal. Primeiro, nos anos da infância, da adolescência, incluindo os de conflito geracional e os de indiferença religiosa, mais alguns enquanto adulto, num ritual que começava no dia 24, depois de almoço e terminava a 26. Depois já casado e agora com filhos, apesar da mudança de destino, o Natal foi sempre passado em harmonia familiar, em convívio das várias gerações.
Para mim, o Natal não se resume à festa familiar. Sou daqueles que ainda envio sms aos amigos, pela noite fora, por sentir a distância da fraternidade. Recordo o jantar de 23, com um saudosismo especial. A ceia de amigos, com momentos disparatados, em restaurantes inesquecíveis. Quando tenho oportunidade, ainda corro nessa noite para S. João da Madeira, à procura de todos, encontrando alguns.
Nunca vivi as tradições comunitárias. A pouca frequência da aldeia da minha mãe, confinava-me para o interior da casa. Agora, durmo numa aldeia que não habito, estando sem raízes. Por isso, o Natal é casa.
É a festa do lar.
Os preparativos, desde o início do advento, a espera durante a tarde, assistindo ao filme infantil, ou a uma grande aventura, até à chegada dos primeiros membros da família. Aconchegados, cumprimos os rituais da quadra, à volta da mesa, que conforme o número de familiares presentes a cada refeição, tanto se estica, como se encolhe, obedecendo também à lei natural da vida.
Qualquer alteração ao guião natalício é sempre atendida com desconfiança. Ainda assim, das propostas que vão surgindo, assistir à missa do galo é um desafio tentador. Uma curiosidade que tenho desde criança, da época em que o sapatinho se enchia durante o sono noturno e apenas na manhã do dia 25 se procuravam os presentes.
Épocas diversas, o mesmo conceito.
Comunidades perdidas, religiosidade alterada, sempre com as famílias presentes e reestruturadas. No fundo, é esse o contributo do Natal, o reforço do principal pilar da sociedade.
Bom Natal para todos.
 
(a publicar em suplemento do jornal labor, no dia 19/12/13)
 

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