terça-feira, dezembro 30, 2014

2014 - O ano da imersão

                O ano termina hoje.

                Pelas manchetes dos jornais editados a semana passada, verifica-se que o agitado ano de 2014 termina em plena convulsão política.

                O assunto político do ano foi a rejeição do financiamento de três milhões de euros, para a construção da nova piscina.

                Antes disso, nos primeiros sete meses do ano, sucederem-se outros casos políticos, em que o imobilismo foi a nota dominante. O pior exemplo dessa forma política de atuar, foi a crítica desenfreada, injusta e feroz ao anterior diretor artístico da Casa da Criatividade, que levou ao seu autoafastamento, penalizando-se a cidade e a sua capacidade de programar cultura em detrimento do entretenimento das massas.

                A política baseada em suspeições, requerimentos, ações cínicas e populistas percorreu o primeiro semestre do ano.

                Em agosto tudo mudou.

                Aproveitando a paragem para férias, sem edição de jornais locais, ou seja, sem notícias, nem com edição de manchetes, logo com menor ação propositada de oposição, o executivo liderado por Ricardo Figueiredo apostou numa dinâmica empreendedora e de uma assentada lançou:

·         Um ciclo de conferências a propósito dos 30 anos de cidade, envolvendo a população da cidade e alguns naturais da mesma a exercerem a sua atividade profissional extramuros.

·         Uma contraofensiva sobre as intenções da junta de freguesia em aumentar as suas competências, rebatendo com a possibilidade de se extinguir a freguesia no concelho, devido às particularidades do mesmo.

·         Por fim, organizou um esclarecimento público sobre o projeto das piscinas, com a presença do seu autor, entre outros oradores convidados.

Esta última foi a melhor acolhida pela população. A garantia de financiamento que durante os meses de regência do anterior ministro - Álvaro como ele próprio se intitulava - foram negados, passou a estar disponível em 2014 e isso mudou todo o cenário da construção da nova piscina. A população local percebeu que era extremamente difícil rejeitar os tais três milhões de financiamento. Até porque a argumentação contrária, isto é, dos partidos ou movimentos da oposição assumia a possibilidade final de construção de outra piscina, embora sem clarificarem qual o montante de custo do seu projeto. Percebeu-se a redução das alegações. Impudicas, diria.

Sucederam-se os apoios públicos à piscina. Artigos de opinião, manifestos e petições públicas permitiram entender o pulsar da população e perante isto, esperava-se uma reação da oposição, mostrando iguais apoios. Só que isso não aconteceu. A única sessão pública para esclarecer o voto contrário, nos Paços da Cultura, com um deputado nacional, que casualmente interpelou o Ministro Poiares Maduro no parlamento sobre o assunto, mostrou pouca capacidade de mobilização do partido que a organizou e com isso, percebeu-se o divórcio dos eleitores com a oposição.

Pelo caminho, surgiu o relatório de contas referentes a 2013, demonstrando que as mesmas, nada continham de esquisito. Apesar de aprovado, ouviu-se de novo o discurso da queda do “mito das boas contas”, fazendo lembrar outro ex-ministro, Mohammad Said al-Sahhaf, Iraquiano conhecido pela sua desinformação, aquando da invasão de Bagdad pelas tropas norte-americanas.

Ficou aclarada, para os munícipes, a forma de atuar dos membros da oposição.

Poderia ter sido diferente?

Eu meu entender, sim.

Continuo a pensar que após as eleições de 2013, o PS devia ter alavancado a sua única vencedora eleitoral, Helena Couto. Com enfoque na sua credibilidade, o trunfo do ano passado, o PS deveria ter construído um trabalho sério, com negociações simples e favoráveis, planeando para 2017, a apresentação do meritório mandato exercido, como grande aposta para a Câmara Municipal. Só que a estratégia não foi essa, como reconheceu recentemente Josias Gil.

Obviamente que o estratagema adotado, em 2014, pelo PSD, trouxe-lhe dividendos. Por um lado, encontrou culpados para o desastre da não construção da piscina nos próximos anos. Por outro conseguiu dividir o PS. Retirando crédito político aos seus adversários, como ficou manifesto na eleição dos delegados para o congresso nacional, em que uma das listas sem qualquer dinâmica política no contexto atual, conseguiu o mesmo número de mandatos que os membros afetos à fação defensora do chumbo à construção da piscina. Também aqui se percebeu o divórcio dos… militantes com a concelhia. 

Chegamos ao fim do ano, com a perspetiva que em 2015 tudo será diferente. A perspetiva de eleições autárquicas intercalares está em cima da mesa. Há um ano, caso tivesse sido esse o caminho, o resultado eleitoral seria imprevisível. Passado este ano, atendendo ao expressar da população, parece-me que o cenário será outro. No entanto, atendendo ao mergulho efetuado, os próximos tempos serão para alguns conterem a respiração. Até porque em Setembro de 2015, haverá eleições legislativas e para esse tabuleiro, há muitos protagonistas interessados.  

Aguardemos para verificar a capacidade de apneia.

Bom ano.

 

(a publicar no dia 31/12/14)

terça-feira, dezembro 23, 2014

A quadra

Esta semana, por o jornal ser publicado na véspera de Natal, não se consegue fugir muito à quadra festiva.

Acrescente-se que a edição é antecipada um dia, o que obriga a preparar os textos mais cedo, atirando o prazo para a madrugada de 3ª-feira, implicando com isso, que estas linhas estão a ser escritas numa noite de segunda-feira. Dos dias da semana, é a noite mais penosa para a criatividade. Normalmente, remeto essa noite para a preparação do texto semanal, procurando complementos para as ideias que precisam de ser trabalhadas, juntando informação para no dia seguinte, ou seja, em cima do prazo estipulado para a receção de textos pela redação do jornal, articular as linhas para o artigo a publicar.

Convém referir, para quem ainda não percebeu, que a preguiça me atacou por estes dias. Provavelmente por ser o primeiro dia de Inverno, ou por ser véspera de férias.

Contudo, proponho-me a escrever um mínimo de 2.500 carateres apropriados à quadra natalícia.

Até ao final deste parágrafo, já estarão escritos mais de 1.200, por isso tenho que começar a desenvolver o tema, sobre o risco de no final me alongar em demasia, como algumas vezes me acontece e dificultar a tarefa de paginação do jornal. 

Vou apenas voltar atrás ao tema do solstício de inverno, no hemisfério norte. Adoro o dia. Não pela duração da noite mas, pelo fim do outono. Apesar das belas cores da estação, o tempo húmido não me permite respirar da melhor forma. Asmático, produzo muco em excesso nos dias chuvosos, por isso, quando o calendário anuncia os dias frios, com geadas matinais e dias secos, fico com outra predisposição. É certo que a primavera traz outras preocupações, só que a felicidade com a mudança da hora no último domingo do terceiro mês do ano, ajuda a superar as dificuldades respiratórias.

Faltam seiscentos carateres para atingir o tal mínimo pretendido.

Mais de trezentas palavras e nenhuma alusão a árvores e seus enfeites, presépios, decorações, músicas, filmes, anúncios de televisão, pratos e doces tradicionais e prendas.

Confesso que não gosto de bacalhau. Não suporto o seu cheiro, nem o sabor. Em especial da posta de bacalhau cozida. Existe a ideia, difundida por muitos, que o paladar se educa, aprendendo-se a gostar de certos sabores com a idade. No meu caso, não é assim. Cada vez gosto menos de bacalhau. Para isso, contribuíram os muitos anos de consoada em casa da avó materna, com a cozinha distante da sala e como éramos muitos, cerca de 40, das várias travessas a serem servidas, a que calhava aos mais novos, trazia a comida fria.

Uma hipótese com fundamento, que me permite hoje passar a ceia de Natal, a ver os outros a comerem bacalhau, enquanto eu me delicio com qualquer outra alternativa, sobretudo se for um naco de carne.

E com isto, ultrapassei o limite mínimo. Isto tem quase 500 palavras. Perto de 3.000 carateres e da quadra, apenas escrevi sobre comida.

Estou mesmo com preguiça. Reparo agora, preparo para lhe juntar a gula. Vou parar por aqui, corro o risco de discorrer sobre outros pecados capitais e esses, não ficam enquadrados.

Sempre foram mais umas linhas do que o previsto e mais 800 carateres do que a quantidade que tinha planeado. Pode ser que tendo mais corpo, seja favorável à paginação do jornal.

Passo a despedir-me, desejando Boas Festas aos leitores, assinantes, anunciantes, redação e diretor do jornal labor.  

 

(a publicar no dia 24/12/14)

quarta-feira, dezembro 17, 2014

Uma região de cidades

                Esqueça a lógica da divisão territorial. Aquelas definições geográficas, a que habitualmente nos referimos, com fronteiras delimitadas pelos concelhos.

                Conseguiu?

                Concentremo-nos nos maiores aglomerados populacionais da região, mencionando as suas pequenas e médias cidades: Espinho, Esmoriz, Lourosa, Fiães, Santa Maria da Feira, Ovar, S. João da Madeira e Oliveira de Azeméis.

                Oito cidades, trinta quilómetros a separar os dois extremos opostos. Com 4 autoestradas, da rede nacional, a permitir ligar umas cidades a outras, complementando-se esta rede viária com o IC2, entre outras. Tudo isto possibilita qu, as referidas localidades estejam próximas umas das outras, percorrendo-se 8 a 12 quilómetros para se atingir a cidade seguinte, ou seja, em menos de 15 minutos.

                Os indicadores demográficos específicos para estas cidades indicam 126.288 habitantes. Pode parecer pouco mas, este valor significa que 40% da população destes cinco concelhos vive em aglomerados urbanos. Um valor idêntico à da cidade de Leiria (127.500) e superior à de Aveiro (78.500). Dois exemplos, apenas para o leitor obter um termo de comparação e compreender melhor o potencial urbano que esta conexão pode trazer.

                Estamos perante uma região de cidades.

Cidades ligadas em rede.

Com uma fluidez constante da população, inerente à dinâmica atividade económica.

Os motivos de atração vão variando. As deslocações fugazes acentuam-se em período estival, é certo. Mas também, em momentos de lazer ou diversão. Estes, durante todo o ano e nalguns casos diariamente.

Obviamente que entre as cidades, a mancha urbana não é contínua, embora exista quem identifique essa homogeneidade entre Oliveira de Azeméis – S. João da Madeira - Santa Maria da Feira.

Apesar das organizações territoriais – atuais e futuras, das estruturas concelhias assumidas, do defender da terra onde se nasceu, a maior parte da população circula sem complexos de qualquer ordem pelo vasto território.

  É perante a lógica de fluidez na região de cidades que deve ser enquadrada a promoção de eventos. Em especial, os de índole cultural. Separando-se o entretenimento, por definição massificado, das manifestações de arte, por igual definição, para um público mais exigente e também mais reduzido em número.

Programar cultura, nesta região, é pensar no somatório dos pequenos grupos apreciadores de arte, existentes em cada uma das oito cidades. A soma dos vários nichos pode encher plateias e provar que a urbanidade é transversal na região das oito cidades.    

 

(a publicar no dia 18/12/14)

quarta-feira, dezembro 10, 2014

O rebuliço autárquico

                Convoquemos três apontamentos de distintas autarquias, registados no último mês.

O concelho da Mealhada assumiu a sua vontade de abandonar o distrito de Aveiro. Adotando a sua ligação à Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra, com parcerias com os concelhos geograficamente mais próximos, a Mealhada considera um anacronismo a permanência no distrito de Aveiro.

Em Vila Real, a União das Freguesias que correspondem à cidade, provocou uma descrição com 84 carateres. À dificuldade em preencher documentação, junta-se o reduzido espaço em alguns impressos, que não permite escrever a totalidade do nome resultante da freguesia: União das Freguesias de Vila Real - Nossa Senhora da Conceição, São Pedro e São Dinis. Para contornar este facto, a junta de freguesia está a proceder à auscultação da população, procurando até ao próximo dia 15, através do voto presencial, eleger o nome da freguesia mais do agrado da população.

Em Santo Tirso, no último fim-de-semana houve referendo local, para decidir qual o nome simplificado da União das Freguesias. Um processo semelhante ao de Vila Real, com um modo de escolha diferente.

  Estes dois últimos casos demonstram que o poder autárquico não se cristalizou na lei 11-A/2013, procurando dinâmicas para continuar próximo da população, simplificar-lhes os processos burocráticos e de identificação com o território. Pelo que consegui apurar, o processo de Vila Real não é o de nome de freguesia mais comprido, já que, por exemplo, no Alandroal, uma União das Freguesias registou-se com 138 carateres: União das freguesias de Alandroal (Nossa Senhora da Conceição), São Brás dos Matos (Mina do Bugalho) e Juromenha (Nossa Senhora do Loreto).

Por outro lado, as pretensões do concelho da Mealhada realçam o que aqui escrevi, no passado dia 30/10, sobre os círculos eleitorais se ajustarem à realidade do dia-a-dia da população. Com o mapa das Comunidades Intermunicipais, cujo enquadramento jurídico foi estabelecido pela lei n.º 75/2013, a divisão territorial por distritos tornou-se arcaica, sendo por isso, legitimo que a Mealhada veja clarificada a sua situação em termos administrativos.

  Em resumo, a legislação de 2013 sobre a administração local, está a ser assimilada pelos autarcas eleitos em Setembro desse ano. O colocar em causa, algumas das soluções legisladas, tornou-se sinal da sua pro-atividade. Tendo sempre presente a vontade da população, como demonstra a auscultação à população e o referendo local.

Neste sentido, a entrega da petição sobre a piscina municipal, com 3800 assinaturas, permitiu abrir uma nova página na política de S. João da Madeira.

O executivo municipal encontrou um novo aliado, exógeno às forças partidárias, precisamente a população.

A participação direta, poderá servir para medir a vontade política da população e permitirá verificar a sua tendência de voto em eleições futuras. Uma espécie de sondagem alargada, trocando-se as disputas em órgãos autárquicos, pela auscultação popular.

O desenlace, desta forma de exercer a democracia direta, será a organização de um referendo local. Nada melhor do que perguntar, à população de S. João da Madeira, se concorda com a extinção da Freguesia, devido às particularidades do concelho.

Como são apenas necessários 1.600 a 1700 de signatários para requerer a organização de um referendo, parece-me que este será o desígnio natural do conflito político que está instalado na cidade.

 

(a publicar no dia 11/12/14)

 

 

quarta-feira, dezembro 03, 2014

A vitória da etnografia

                Portugal sempre se dividiu em províncias. Durante séculos, seis grandes áreas naturais serviram para a organização administrativa e estatística: Entre Douro e Minho, Trás-os-Montes, Beira, Extremadura, Alentejo e Algarve. A designação de comarca era o título inicialmente recebido, com exceção do Algarve, à qual historicamente sempre foi atribuído a honraria de reino.  

                As províncias perduraram até ao século XIX, incluindo a organização militar, que adotou jurisdição territorial semelhante à área de cada província.

                A partir da revolução liberal, 1835, são adaptados os distritos como unidade de organização territorial. O conceito de província passa a ser utilizado para fins estatísticos e de referência geográfica. Relativamente ao conceito anterior, surge a divisão de Minho e Douro e da Beira em Alta e Baixa.

No século XX, a partir de 1936, para fundamentar uma ideia de regionalização defendida pelo Estado Novo, redefiniram-se as províncias. Baseando-se num estudo do geógrafo Amorim Girão, optou-se pela divisão: Minho, Trás-os-Montes, Douro Litoral, Alto Douro, Beira Alta, Beira Transmontana, Beira Litoral, Beira Baixa, Ribatejo, Estremadura, Alto Alentejo, Baixo Alentejo e Algarve. A fusão de Alto Douro em Trás-os-Montes e de Beira Transmontana em Beira Alta deu origem aos mapas coloridos distribuídos pelas escolas primárias e incorporados nos manuais escolares, que serviram de estudo para muitos bons anos.

Além dos mapas, procurando-se vincar o conceito na população, identificaram-se caraterísticas comuns na população de cada região, indicando-se vestuário, habitações, gastronomia, danças e modinhas, para simbolizar as províncias continentais de Portugal.

Para cimentar o conceito, incluíram-se nas festas populares os cortejos etnográficos, misturando-se as caraterísticas agrícolas da população, ou de outra atividade económica, com o desfile de ranchos e outros grupos folclóricos, sendo ainda comum exibirem-se as bandeiras das coletividades de cada comunidade.

Os meios de comunicação, nas décadas seguintes, nomeadamente rádio e mais tarde televisão, foram bombardeados com músicas representativas de cada província. A título de exemplo, o corridinho algarvio e o fandango ribatejano eram audíveis nessas épocas.

Naturalmente, por negação dos interesses das gerações anteriores, ou mesmo, por conflito geracional, com uma revolução militar pelo meio, desde há alguns anos, pelo menos uns trinta, as modinhas desapareceram dos hábitos dos portugueses.

O reconhecimento do cante alentejano como Património Imaterial da Humanidade pela Unesco, é prémio para quem nos anos da democracia não desistiu de manter viva a tradição, os usos e costumes de uma comunidade regional.

Uma recompensa para quem ficou naquelas paragens, não migrou para a beira Tejo, nem emigrou para outras terras. Em terras desertificadas, resistiu cantando, que é uma forma tão portuguesa de se expressar. Uma estranha forma de vida.

 

 

(a publicar no dia 04/12/14)