Ficou tudo escrito acerca de Manoel Oliveira.
Será pretensioso acrescentar umas linhas sobre a vida e a obra do realizador. Vou correr esse risco.
Reconhecido como um dos grandes cineastas europeus, Manoel Oliveira teve a oportunidade, pela sua longevidade, de ser homenageado atempadamente pela sociedade portuguesa.
Torna-se difícil escrever algo distinto, sem repisar os lugares comuns destes momentos, ou ampliar elogios à obra do realizador.
Há três aspetos que são obrigatórios no elogio ao cineasta português: a temporalidade das imagens do país, a visão histórica de Portugal e por fim, a evocação da literatura nacional.
Filmar o país no século XXI e obter uma imagem datada do século anterior foi uma particularidade da obra de Oliveira. As encostas do Douro, os seus solares, o casario e ruelas das vilas, os lugarejos do Alto Minho, imagens seleccionadas para vários dos seus filmes, fazem parte da recolha de quem viajou por esses lugares esquecidos e muitos daqueles planos, remetem-nos para essa memória pessoal. No fundo, um reencontro com o nosso passado.
A história de Portugal é, segundo Manoel Oliveira, ligeiramente diferente da que nos ensinam os manuais escolares. Como qualquer país conquistador, houve vitórias e derrotas em batalhas campais. Conquistas e reconquistas territoriais sucessivas até à definição da fronteira, ou mesmo durante a expansão marítima. Infelizmente, os manuais escolares só fazem referência a derrotas na expansão: uma em Fez e outra em Alcácer Quibir. Pelo realizador, ficamos a saber que não faz sentido esta visão heróica de Portugal. Desde a derrota na batalha de Badajoz, D. Afonso Henriques, ao não respeitar os tratados firmados, inaugurou uma história normal para um país. Além da crítica à propaganda nacionalista, o cinema permitiu revelar a normalidade de um povo, durante anos intoxicados com a bravia dos seus antepassados.
Camilo Castelo Branco, José Régio, Agustina Bessa Luís e por fim, Raul Brandão são alguns dos escritores presentes na obra do realizador portuense. Alguns vêem a origem geográfica como foco comum. Outros chamaram-lhe o cineasta literário, embora tal designação não seja bem aceite pelos seus seguidores, pois preferem vê-lo como realizador de cinema e não como um adaptador de literatura ao cinema. A evocação da literatura na obra de Manoel Oliveira é uma homenagem do mestre aos seus mestres. Ao filmar as sombras de Raul Brandão, o realizador dá-as a conhecer ao mundo. O mesmo acontecendo com a obra de Agustina, ou com o perpetuar, por mais um século, dos amores de perdição de Camilo.
No posfácio do livro “Páscoa Feliz”, escrito pelo seu autor José Rodrigues Miguéis, este refere-se aos rótulos que um escritor recebe por ter vivido num determinado país, como se a criatividade dependesse apenas deste factor. José Rodrigues Miguéis não se pôs em bicos de pés, descartou-se da vivência norte-americana. Há, no entanto, uma influência do género que se adapta. A comparação com Raul Brandão, aquando da publicação da “Páscoa Feliz”, deixou o autor lisonjeado, ao ser reconhecida a claustrofobia mental do personagem do seu livro e pela casualidade do desaparecimento deste escritor.
A sucessão, um conceito tão português.
No cinema é tempo de aventar hipóteses. Os próximos tempos serão de comparação. Esperemos que a longevidade de Manoel Oliveira tenha permitido ao cinema português preparar-se para esses tempos, não prejudicando o trabalho das novas gerações.
(a publicar no dia 09/04/15)