quarta-feira, dezembro 30, 2009

Sucessão

            O ano termina hoje. O calendário obriga à apresentação do balanço da actividade política de S. João da Madeira.

            O ano de 2009 ficou marcado pelas eleições autárquicas. Não pelo resultado, espectável, sem grandes surpresas, por isso, não sendo assunto apelante.

            Da invulgaridade dessas eleições destaca-se as leituras surgidas, no imediato, mais vocacionadas para a sucessão do actual Presidente, antecipando o que só acontecerá em 2013.

             A constituição das listas do partido vencedor das eleições tornou-se no primeiro acto dessas conjecturas. A ausência de determinado vereador compensada com a inclusão, em lugar de destaque, de um empresário local passou a ser alvo das mais variadas interpretações. Tudo foi examinado. No inicio, as preocupações estavam centradas na hipotética chamada para o Governo do cabeça de lista. Depois de infundadas pelo resultado eleitoral das eleições legislativas, as apreensões viraram-se para a atribuição da vice-presidência autárquica. Como a lógica partidária imperou e nada de especial aconteceu, a distribuição de pelouros, tranquila e sem surpresas parecia ser o último acto da formulação de hipóteses para a sucessão. No entanto, uma série de noticias relatando o desempenho político de deputados nacionais eleitos pelo distrito de Aveiro, onde se inclui o atrás referido antigo vereador, veio alimentar a tese supramencionada no anterior parágrafo.  

            Do lado da oposição, o ano de 2013 é fundamental. Em primeiro lugar, pela necessidade de rectificar os últimos resultados. Em segundo lugar, pela oportunidade de concorrer em igualdade de circunstâncias com o partido que lidera o executivo camarário, desde 2001. Pela amostra dos primeiros meses do actual mandato, o PS é único partido da oposição que está a preparar-se para a maratona. Mais participativo, pretendendo ver as suas propostas eleitorais incluídas em Orçamento, faltando apenas quantificá-las para tecnicamente melhor defendê-las, é visível um estado mais afoito, contrastando com a letargia a que esteve submetido nos últimos oito anos. Se a tudo isto juntarmos propostas alternativas, bem fundamentadas, pode-se dizer que em 2013, tudo será mais sério.

            Até lá, passando já para as projecções do próximo ano, o executivo camarário terá que cumprir as suas promessas eleitorais. Cumprir o seu plano de obras, inspeccionar a execução de empreitadas lançadas e esperar pelo cumprimento de promessas do Estado, feitas por antigos governantes. Neste inicio de legislatura atribulado, com a oposição parlamentar cheia de vontade de corrigir decisões do Governo anterior, seria uma terrível ironia que a auto-estrada A32 fosse vetada no parlamento.

            Nem só de obras vive a população.

             O orçamento municipal, com o respectivo plano de actividades, continua a ser preparado como carta de intenções, ficando sem se perceber quais dessas ideias serão reais para a autarquia. O que é lamentável, por razões de rigor e também pela expectativa criada durante o último ano, em que a acção social foi eleita como a grande preocupação municipal. 

            Por agora as atenções estão concentradas no imbróglio criado em volta do Hospital.

            Tudo demonstrando que a perspectiva para próximo ano não será muito animadora, como o próprio Presidente da Câmara admitiu recentemente.

            Não posso terminar sem desejar a todos os leitores votos um Bom ano de 2010.

 

(a publicar no dia 31/12/09)

quarta-feira, dezembro 23, 2009

A montra

No caminho para a escola primária era paragem obrigatória. Passava minutos a olhar para aqueles brinquedos expostos por detrás do vidro, daquela montra. Adorava os carrinhos de brincar, cuja marca chamava-se Matchbox e deve ter sido das primeiras palavras de língua inglesa que aprendi a pronunciar correctamente. Eram vários os modelos em exposição na Tabacaria Glória. Lá dentro, junto à entrada, do lado esquerdo, tinha uma vitrina, com imensas caixinhas apetecíveis, contendo as miniaturas de vários modelos, das mais variadas marcas de automóveis. Até chegar ao momento da compra, juntando o dinheiro necessário, eram várias as visitas de contemplação. Quem estava atrás do balcão envidraçado tinha sempre boa receptividade, não se incomodando com a minha presença. Desde cedo me habituei ao sorriso da D. Glória e à cara séria do seu marido, tão bem perpetuados para memória futura, nos retratos colocados no interior da renovada tabacaria.

Os meus interesses em matéria de brinquedos repartiam-se pelas peças de Lego. Apesar das montras que expunham esses produtos serem afastadas do percurso para alcançar a escola, o regresso a casa era feito por caminhos mais alargados e muitas vezes em bicos de pés contemplava as últimas novidades da marca dinamarquesa. O processo era semelhante ao dos carrinhos, acumulavam-se tempos de espera até se conseguir a desejada aquisição.

Numa época de mudança, com novos hábitos de consumo, maior poder de compra generalizado, a introdução de novas marcas de brinquedos fez atrasar a minha saída da infância. A adolescência ficava para depois. Era preciso aproveitar a oportunidade.

O último de todos os meus brinquedos foi o cubo mágico, o de Rubik. O objecto da mudança de idade. Por um lado o fascínio das cores, por outro lado o desafio de encontrar a solução para o quebra-cabeças.

Há dias, contribuindo para uma acção de solidariedade, fiquei com um cubo desses na mão. Passei-o para os meus filhos e lembrei-me da frustração de jamais ter “feito” um cubo completamente (era esta a gíria). Aprendi a fórmula até aquilo que se designava de 2ª camada, porque numas férias a pessoa que me estava a ensinar, perdeu o apontamento da solução das fases posteriores e como no dia seguinte voltava para casa, as minhas lições ficaram por ali. A arte e o engenho necessários para o resto escaparam-me sempre… A mudança de idade pode ter prejudicado também.

Nesta nova era de informação, não descansei enquanto não encontrei o resto da solução. Ainda me lembrava do que tinha aprendido. Daí até ao final, faltavam apenas 4 passos, extremamente mecanizáveis e simples de fazer, o que me permitiu fechar um ciclo com mais de vinte e sete anos.

Mais do que a minha perseverança, do testemunho da infância desafogada, importa realçar que a geração a que eu pertenço, assistiu à transformação do conceito da Quadra que atravessamos. Entre os vários exageros que se cometem hoje e a espiritualidade de outrora, haverá certamente um ponto de equilíbrio mais justo. Este é o momento de encerrar o ciclo actual.

BOM NATAL.

(a publicar dia 24/12/09)

quarta-feira, dezembro 16, 2009

Entre a espada e a dor

             É impossível não gostar de música, exclamou o Maestro José Ferreira Lobo, enquanto procurava as melhores palavras para convencer pais ou avós a sossegar os filhos ou netos assistentes, na plateia do Coliseu do Porto, num Concerto Promenade. Astutamente citou Mozart, com uma frase secular sobejamente conhecida e o seu propósito foi conseguido. Até ao final, o silêncio imperou na histórica sala de espectáculos, podendo toda a plateia deliciar-se com o som da Orquestra do Norte. Como prémio, no final houve a oportunidade para todos os espectadores participarem no concerto, ora trauteando uma música de Bizet, ora marcando o ritmo com palmas, em ambos os casos, sendo dirigidos pelo Maestro.

            Horas antes, no mesmo local, o concerto de Rodrigo Leão & Cinema Ensemble terminava da mesma forma: fortes aplausos, palmas de um público participativo enquadradas nas melodias e por fim, a assistência cantando em coro o tema “Pasíon”, acompanhando a voz de Celina da Piedade, a acordeonista de serviço.

            A interactividade do público, nos dois concertos a que tive oportunidade de assistir foi o mote para as primeiras linhas deste texto. Um apanágio do público daquela sala, recebendo calorosamente os músicos que por ali actuam. Impondo silêncio entre parceiros, quando o ambiente ainda está tenso, sem a festa instalada e depois de repente, tudo muda. A participação passa a ser palavra de ordem.

            Voltando ao concerto de Rodrigo Leão, durante uma hora, o público reagia, batia palmas no final de cada música, incentivando os músicos. Tudo mudou no 1º encore. Se a voz de Ana Vieira é mesmo perfeita para os arranjos criados pelo próprio líder do grupo, o grande momento da noite foi a presença em palco de Gomo, cantando o tema Cathy, originalmente escrito para ser cantando por Neil Hannon, a voz dos The Divine Comedy. Na segunda passagem pelo palco, já em encore, Gomo excedeu-se na prestação e transmitiu ao público o instante sublime do espectáculo.     

            É difícil escrever sobre música, digo eu. É fácil adjectivá-la. Descrever sonoridades duma época ou mesmo relatar concertos, procurando indicar o correcto alinhamento e a história do artista, ou do grupo são operações fáceis. Do mesmo modo, enaltecer o virtuosismo dos músicos, mesmo sem grande conhecimento técnico é quase obrigatório em exercícios de escrita musical. A parte árdua e pouco acessível, é a linguagem de perito, o desmanchar da música: em ritmos, harmonias e notas musicais, que bem utilizadas podem enriquecer mais um artigo ou comentário do que qualquer figura de estilo. Essa capacidade só está acessível a alguns, que pouco se dedicam à escrita sobre música.   

            Meses de dedicação à música, enquanto pai acompanhando e investindo na formação musical dos meus filhos, como apreciador adquirindo trabalhos de autores, lendo em “2666” devaneios sobre a música de Leonard Cohen - saber qual a importância do coro feminino na sua música, embora prefira vibrar com o seu som, como se fosse sempre a primeira audição, em “The Stranger Song”, como executante voltar a estudar o instrumento abandonado na adolescência e assistir ao excelente concerto de Rodrigo Leão, considerado por Pedro Almodovar como o melhor compositor da actualidade e nada conseguir escrever além de trivialidades, ficando como no título desta crónica.      

 

(a publicar no dia 17/12/09)

quarta-feira, dezembro 09, 2009

Mensagem

A mão esquerda segurava no rato, com o dedo indicador posicionado sobre o botão canhoto. No monitor do computador, a seta do cursor estacionava sobre a palavra “enviar”. A dúvida permanecia. Enviaria a mensagem ou não. Ponderava as hipóteses, as consequências para a sua vida, ao cometer tal ousadia.

            Já tinha preenchido o assunto para este mail, que constava do seguinte teor: “Naquela manhã só faltava eu tomar banho. Como sempre tinha ficado para o final. O nosso grupo, composto por quatro casais amigos, ia tomar um café, antes de regressarmos de fim-de-semana, bem prolongado. Convosco alinhou a minha esposa. Fiquei sozinho na casa e após o corte matinal dos pêlos faciais, meti-me dentro da banheira. A água quente vaporizou toda a casa de banho. As fases do banho: encharcar, ensaboar, enxaguar e por fim enxugar. Saí da banheira, esfreguei o cabelo e ao retirar a toalha, vi-te. Estavas à minha frente. Assustado, tapei-me prontamente por instinto. Estou quase a sair, disse-te. Um sorriso apareceu na tua cara e não dizias uma palavra. Hei, gritei. “Podes sossegar, pois não está cá ninguém. Inventei um pretexto para voltar para trás” – disseste, quebrando o teu silêncio, sem retirar o sorriso. Não me parecia correcto, nem contava com uma iniciativa daquele género, nem concebia que pudesses pensar, sequer, em tal atitude. Procurei chamar-te à razão. Não te demovi, aproximaste-te. Com o teu puxar, a minha toalha caiu ao chão. Senti os teus braços a agarrarem-me e tentei demover-te a bem. Não desistias, segurei os teus braços, com alguma força, para resistir… e nisto tocou o despertador. Acordei, olhei para o relógio: seis horas e quarenta minutos. Levantei-me, tomei o pequeno-almoço, seguido do banho e depois das despedidas matinais, saí para trabalhar. Não resisti a contar-te o meu sonho. Tem um bom dia.”

            Leu o texto mais uma vez. Pensou no efeito deste, nas alterações a provocar na sua relação com a amiga e também na sua própria casa. Por agora, pensava apenas na amiga… como interpretaria ela o facto de ele ter sonhado com ela? De a ter imaginado infiel? De estar a fazer considerações sobre o seu comportamento? Não era fácil explicar-lhe, tal leviandade. Não estava preocupado, por agora, com o marido dela, pois eram distantes, relacionavam-se, mas por intermédio da amiga.

            O dedo indicador levantou-se do botão do rato. Ela perceberá a ideia, certamente – pensou. Fez uma pausa. Imaginou uma reacção negativa, um telefonema imediato a cortar relações, mais outro para a esposa dele a contar o sucedido. Ficou um pouco atrapalhado. Em casa, neste cenário as consequências eram imprevisíveis. As desculpas de fidelidade, mesmo em sonhos, iriam parecer desajustadas.

            Hesitou de novo.

            Começou a descer o dedo, encostando-o ao botão, sem olhar para ele.

            Não acreditou em tal reacção da amiga. Tanta cumplicidade vivida em conjunto, resultado de anos de bom relacionamento, não permitiriam afectar a amizade. Decidiu-se: Assim seja! Num rápido clique carregou em enviar. No monitor apareceu uma pequena caixa indicando: Tem de haver pelo menos um nome ou lista de distribuição na caixa “Para”, “Cc” ou “Bcc”… Tinha-se esquecido do destinatário.

            Sorriu, olhou para o monitor e pensou: quem era a destinatária?

            Surpreendido pela ausência de receptor, conduziu o rato para o lado oposto do monitor. Ali, no canto superior, carregou na cruzinha do lado direito, apontou para o “não” na box, entretanto surgida no ecrã e assim eliminou a mensagem.

 

(a publicar dia 10/12/09)

quarta-feira, dezembro 02, 2009

Hipermercado

            Vasco deambulava pelos corredores do hipermercado, empurrando o carrinho à procura dos produtos que constavam da lista de compras, timidamente escondida na mão esquerda, quando os seus olhos fitaram uma cara conhecida. Não muito longe, à sua frente, estava a sua primeira namorada, Marina. Sem perceber bem porquê, quase instintivamente, Vasco cortou logo à esquerda para uma qualquer artéria, de artigos semelhantes com marcas e cores diferentes, fingindo não ter reparado. Vasco ficou com a ligeira impressão de ter sido visto, por isso, colocou-se em atalaia, posicionado de forma a lhe permitir, de soslaio, observar o entroncamento do corredor principal com a artéria em que se encontrava.

            Esperou uns segundos e verificou que não se tinha enganado. Enquanto passava, o olhar de Marina permanecia fixo em qualquer ponto vago no fundo corredor, sem virar a cabeça para o local onde Vasco se encontrava. A técnica de quem não quer ver. Ambos estavam a jogar o mesmo jogo.

            É certo que se passaram muitos anos. “Provavelmente ela terá casado, tal como eu e possivelmente terá filhos” – pensou Vasco. Seria mais fácil adoptar uma atitude de dois velhos conhecidos. Um cumprimento efusivo e depois das formalidades do presente, recordar o passado em comum. Seria bom recordar um ou outro episódio esquecido, provavelmente confundir com situações vividas com outra qualquer pessoa e usar aquela expressão "e daquela vez...". No final a despedida até um dia incerto, até qualquer dia, ou até à próxima. É extremamente difícil ter abertura suficiente para recordar certos momentos de intimidade. Mesmo tendo sido os primeiros momentos, no caso de ambos. A virgindade a fugir, a inexperiência de adolescente. A atrapalhação do movimento. O gosto de correr riscos, característico da juventude.

            Vasco voltou para trás. Ficou nas costas de Marina. O seu olhar focou o seu corpo. Oportunidade para comparar com aquele que tinha tocado no passado. A esta distância Vasco não conseguia distinguir os indicadores da passagem do tempo: as rugas e claro, o aparecimento de cabelos brancos. A silhueta de Marina estava diferente? Como estaria corpo dela, com a transformação do passar dos anos? Vasco pensou na sua própria alteração, imaginou a gordura acumulada em certas partes do corpo de Marina, noutras as estrias conquistadas com a perda de massa, ou nos músculos dela mais flácidos, com a celulite nas nádegas e nas pernas… Marina virou à esquerda para a secção dos detergentes. Afinal, ao contrário dele, Marina estava bem conservada.

            Vasco optou por prosseguir na procura dos artigos da lista de compras. Enquanto escolhia os seus artigos e os colocava no carrinho, ele apercebeu-se que todo este jogo de escondidas era uma estupidez, por isso, tinha que a cumprimentar. Imaginou virar duas vezes à esquerda e entrar no mesmo corredor e aproximar-se para, fingindo surpresa, exclamar: Olha quem está por aqui! Há tanto tempo!

            Arriscou, ia correr bem. No momento da segunda viragem, Vasco parou. Provavelmente, Marina estaria acompanhada. Marido ou filhos, ou outro familiar e por isso, não o queria enfrentar. Se calhar ainda não tinha casado. Vasco penaliza-se, podia ter sido lesto a reparar nas suas mãos. Lembrou-se dos pais dela. Detestavam-no. Não admira, a filha a entrar em casa a horas diferentes das habituais, a não dormir algumas noites, ou a recebe-lo às escondidas lá em casa. Parecia estar sozinha. Mas, estava a voltar para trás, por isso o seu plano tinha falhado.

            Na lista de Vasco faltavam dois produtos, do lado oposto à direcção que ela tomou. Seguiu para eles. Colocou-os no carro de compras e decidiu enfrentar o passado, sem compromisso para o presente e para o futuro. Sabia que tinha ficado mais alguma coisa, além do sexo desajeitado e juras de amor eterno, quebradas numas férias. A ideia da infidelidade, a traição, o novo romance sempre agradou a Marina.

            O seu telefone toca. O filho acrescenta um pedido à lista, alterando de novo o seu rumo. Acrescentado o artigo extra aos restantes, Vasco parte para a procura. Quer encontrá-la. Faz os corredores de uma ponta a outra. Costa a costa, duas vezes. Roupas – bebidas, bebidas - roupas. Nada. Procura no corredor das caixas. É engraçado, a memória da primeira vez. Pensamento malicioso. Os corpos nus. Uma nudez total conquistada por etapas. O desejo falou mais forte.

            Chegou à última caixa e nada. Volta para trás, percorre as caixas pela ordem numérica inversa. Focaliza cada pessoa, em cada uma das filas. “Não sei porque a recordei a traição” – pensava Vasco. “Tendência para recordar as mágoas, houve mais do que isso e no entanto, parece que ficou uma ferida para a vida inteira. Relações de adolescente, só isso, nada mais. Naquelas idades não temos a noção do que é a vida, o mundo. Até do que é o amor…” - prosseguiu Vasco.

            Primeira caixa e não há sinais de Marina. Vasco desiste, coloca-se numa fila, com poucas pessoas. “Paciência, perdi-a. Fico sem saber nada do que se passou com ela, ao longo destes anos todos” – resignava-se Vasco.

            Passado uns minutos, entalado na fila, Vasco vê Marina a passar já no lado das lojas. Olha para ele, mostra-se surpreendida por o ver, sorri, cumprimentando. Vasco retribui, a surpresa e o cumprimento. À sua frente, um outro cliente a proceder ao pagamento junto à caixa está parado, a rapariga da caixa não pode avançar, um produto está sem código de barras, sem preço marcado, por isso, empata Vasco no meio da fila. Não consegue alcançá-la. Faz um gesto, mostrando o seu desespero. Vendo a situação dele, Marina, a sua primeira namorada, encolhe os ombros e diz-lhe:

            - Tenho pressa, tenho gente à espera!

            Vasco tenta reagir. Abandonar ali o carrinho, passar para o outro lado, voltar atrás, sair pela passagem destinada a clientes sem compras. Chama-a. Ela olha para trás e sem intenção de esperar, responde-lhe:

            - Fica para a próxima! Vai aparecendo.

            Ele segue-a com o olhar, desesperado pela situação. Pretende descobrir algo sobre a vida dela. Esqueceu-se de olhar para as mãos, bolas!

            Uma voz interrompe a sua faceta de detective: Boa tarde, tem cartão cliente?

            Vasco olha para a caixa, entrega o cartão e volta a focar o corredor, de onde lhe retiraram a atenção. Nada. Já não há sinais dela.

            - É tudo? São 67 euros e 34 cêntimos - ouviu ao fim de alguns minutos, interrompendo os seus pensamentos.

 

(a publicar dia 3/12/09)