quarta-feira, dezembro 16, 2009

Entre a espada e a dor

             É impossível não gostar de música, exclamou o Maestro José Ferreira Lobo, enquanto procurava as melhores palavras para convencer pais ou avós a sossegar os filhos ou netos assistentes, na plateia do Coliseu do Porto, num Concerto Promenade. Astutamente citou Mozart, com uma frase secular sobejamente conhecida e o seu propósito foi conseguido. Até ao final, o silêncio imperou na histórica sala de espectáculos, podendo toda a plateia deliciar-se com o som da Orquestra do Norte. Como prémio, no final houve a oportunidade para todos os espectadores participarem no concerto, ora trauteando uma música de Bizet, ora marcando o ritmo com palmas, em ambos os casos, sendo dirigidos pelo Maestro.

            Horas antes, no mesmo local, o concerto de Rodrigo Leão & Cinema Ensemble terminava da mesma forma: fortes aplausos, palmas de um público participativo enquadradas nas melodias e por fim, a assistência cantando em coro o tema “Pasíon”, acompanhando a voz de Celina da Piedade, a acordeonista de serviço.

            A interactividade do público, nos dois concertos a que tive oportunidade de assistir foi o mote para as primeiras linhas deste texto. Um apanágio do público daquela sala, recebendo calorosamente os músicos que por ali actuam. Impondo silêncio entre parceiros, quando o ambiente ainda está tenso, sem a festa instalada e depois de repente, tudo muda. A participação passa a ser palavra de ordem.

            Voltando ao concerto de Rodrigo Leão, durante uma hora, o público reagia, batia palmas no final de cada música, incentivando os músicos. Tudo mudou no 1º encore. Se a voz de Ana Vieira é mesmo perfeita para os arranjos criados pelo próprio líder do grupo, o grande momento da noite foi a presença em palco de Gomo, cantando o tema Cathy, originalmente escrito para ser cantando por Neil Hannon, a voz dos The Divine Comedy. Na segunda passagem pelo palco, já em encore, Gomo excedeu-se na prestação e transmitiu ao público o instante sublime do espectáculo.     

            É difícil escrever sobre música, digo eu. É fácil adjectivá-la. Descrever sonoridades duma época ou mesmo relatar concertos, procurando indicar o correcto alinhamento e a história do artista, ou do grupo são operações fáceis. Do mesmo modo, enaltecer o virtuosismo dos músicos, mesmo sem grande conhecimento técnico é quase obrigatório em exercícios de escrita musical. A parte árdua e pouco acessível, é a linguagem de perito, o desmanchar da música: em ritmos, harmonias e notas musicais, que bem utilizadas podem enriquecer mais um artigo ou comentário do que qualquer figura de estilo. Essa capacidade só está acessível a alguns, que pouco se dedicam à escrita sobre música.   

            Meses de dedicação à música, enquanto pai acompanhando e investindo na formação musical dos meus filhos, como apreciador adquirindo trabalhos de autores, lendo em “2666” devaneios sobre a música de Leonard Cohen - saber qual a importância do coro feminino na sua música, embora prefira vibrar com o seu som, como se fosse sempre a primeira audição, em “The Stranger Song”, como executante voltar a estudar o instrumento abandonado na adolescência e assistir ao excelente concerto de Rodrigo Leão, considerado por Pedro Almodovar como o melhor compositor da actualidade e nada conseguir escrever além de trivialidades, ficando como no título desta crónica.      

 

(a publicar no dia 17/12/09)

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