quarta-feira, dezembro 09, 2009

Mensagem

A mão esquerda segurava no rato, com o dedo indicador posicionado sobre o botão canhoto. No monitor do computador, a seta do cursor estacionava sobre a palavra “enviar”. A dúvida permanecia. Enviaria a mensagem ou não. Ponderava as hipóteses, as consequências para a sua vida, ao cometer tal ousadia.

            Já tinha preenchido o assunto para este mail, que constava do seguinte teor: “Naquela manhã só faltava eu tomar banho. Como sempre tinha ficado para o final. O nosso grupo, composto por quatro casais amigos, ia tomar um café, antes de regressarmos de fim-de-semana, bem prolongado. Convosco alinhou a minha esposa. Fiquei sozinho na casa e após o corte matinal dos pêlos faciais, meti-me dentro da banheira. A água quente vaporizou toda a casa de banho. As fases do banho: encharcar, ensaboar, enxaguar e por fim enxugar. Saí da banheira, esfreguei o cabelo e ao retirar a toalha, vi-te. Estavas à minha frente. Assustado, tapei-me prontamente por instinto. Estou quase a sair, disse-te. Um sorriso apareceu na tua cara e não dizias uma palavra. Hei, gritei. “Podes sossegar, pois não está cá ninguém. Inventei um pretexto para voltar para trás” – disseste, quebrando o teu silêncio, sem retirar o sorriso. Não me parecia correcto, nem contava com uma iniciativa daquele género, nem concebia que pudesses pensar, sequer, em tal atitude. Procurei chamar-te à razão. Não te demovi, aproximaste-te. Com o teu puxar, a minha toalha caiu ao chão. Senti os teus braços a agarrarem-me e tentei demover-te a bem. Não desistias, segurei os teus braços, com alguma força, para resistir… e nisto tocou o despertador. Acordei, olhei para o relógio: seis horas e quarenta minutos. Levantei-me, tomei o pequeno-almoço, seguido do banho e depois das despedidas matinais, saí para trabalhar. Não resisti a contar-te o meu sonho. Tem um bom dia.”

            Leu o texto mais uma vez. Pensou no efeito deste, nas alterações a provocar na sua relação com a amiga e também na sua própria casa. Por agora, pensava apenas na amiga… como interpretaria ela o facto de ele ter sonhado com ela? De a ter imaginado infiel? De estar a fazer considerações sobre o seu comportamento? Não era fácil explicar-lhe, tal leviandade. Não estava preocupado, por agora, com o marido dela, pois eram distantes, relacionavam-se, mas por intermédio da amiga.

            O dedo indicador levantou-se do botão do rato. Ela perceberá a ideia, certamente – pensou. Fez uma pausa. Imaginou uma reacção negativa, um telefonema imediato a cortar relações, mais outro para a esposa dele a contar o sucedido. Ficou um pouco atrapalhado. Em casa, neste cenário as consequências eram imprevisíveis. As desculpas de fidelidade, mesmo em sonhos, iriam parecer desajustadas.

            Hesitou de novo.

            Começou a descer o dedo, encostando-o ao botão, sem olhar para ele.

            Não acreditou em tal reacção da amiga. Tanta cumplicidade vivida em conjunto, resultado de anos de bom relacionamento, não permitiriam afectar a amizade. Decidiu-se: Assim seja! Num rápido clique carregou em enviar. No monitor apareceu uma pequena caixa indicando: Tem de haver pelo menos um nome ou lista de distribuição na caixa “Para”, “Cc” ou “Bcc”… Tinha-se esquecido do destinatário.

            Sorriu, olhou para o monitor e pensou: quem era a destinatária?

            Surpreendido pela ausência de receptor, conduziu o rato para o lado oposto do monitor. Ali, no canto superior, carregou na cruzinha do lado direito, apontou para o “não” na box, entretanto surgida no ecrã e assim eliminou a mensagem.

 

(a publicar dia 10/12/09)

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