quarta-feira, dezembro 23, 2009

A montra

No caminho para a escola primária era paragem obrigatória. Passava minutos a olhar para aqueles brinquedos expostos por detrás do vidro, daquela montra. Adorava os carrinhos de brincar, cuja marca chamava-se Matchbox e deve ter sido das primeiras palavras de língua inglesa que aprendi a pronunciar correctamente. Eram vários os modelos em exposição na Tabacaria Glória. Lá dentro, junto à entrada, do lado esquerdo, tinha uma vitrina, com imensas caixinhas apetecíveis, contendo as miniaturas de vários modelos, das mais variadas marcas de automóveis. Até chegar ao momento da compra, juntando o dinheiro necessário, eram várias as visitas de contemplação. Quem estava atrás do balcão envidraçado tinha sempre boa receptividade, não se incomodando com a minha presença. Desde cedo me habituei ao sorriso da D. Glória e à cara séria do seu marido, tão bem perpetuados para memória futura, nos retratos colocados no interior da renovada tabacaria.

Os meus interesses em matéria de brinquedos repartiam-se pelas peças de Lego. Apesar das montras que expunham esses produtos serem afastadas do percurso para alcançar a escola, o regresso a casa era feito por caminhos mais alargados e muitas vezes em bicos de pés contemplava as últimas novidades da marca dinamarquesa. O processo era semelhante ao dos carrinhos, acumulavam-se tempos de espera até se conseguir a desejada aquisição.

Numa época de mudança, com novos hábitos de consumo, maior poder de compra generalizado, a introdução de novas marcas de brinquedos fez atrasar a minha saída da infância. A adolescência ficava para depois. Era preciso aproveitar a oportunidade.

O último de todos os meus brinquedos foi o cubo mágico, o de Rubik. O objecto da mudança de idade. Por um lado o fascínio das cores, por outro lado o desafio de encontrar a solução para o quebra-cabeças.

Há dias, contribuindo para uma acção de solidariedade, fiquei com um cubo desses na mão. Passei-o para os meus filhos e lembrei-me da frustração de jamais ter “feito” um cubo completamente (era esta a gíria). Aprendi a fórmula até aquilo que se designava de 2ª camada, porque numas férias a pessoa que me estava a ensinar, perdeu o apontamento da solução das fases posteriores e como no dia seguinte voltava para casa, as minhas lições ficaram por ali. A arte e o engenho necessários para o resto escaparam-me sempre… A mudança de idade pode ter prejudicado também.

Nesta nova era de informação, não descansei enquanto não encontrei o resto da solução. Ainda me lembrava do que tinha aprendido. Daí até ao final, faltavam apenas 4 passos, extremamente mecanizáveis e simples de fazer, o que me permitiu fechar um ciclo com mais de vinte e sete anos.

Mais do que a minha perseverança, do testemunho da infância desafogada, importa realçar que a geração a que eu pertenço, assistiu à transformação do conceito da Quadra que atravessamos. Entre os vários exageros que se cometem hoje e a espiritualidade de outrora, haverá certamente um ponto de equilíbrio mais justo. Este é o momento de encerrar o ciclo actual.

BOM NATAL.

(a publicar dia 24/12/09)

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