quarta-feira, janeiro 06, 2010

A Norte

            A luz em certas zonas do alto Minho é única. Atravessei num final de tarde Caminha, regressado de Espanha e tive uma óptima sensação de bem-estar. A cor desenvolvida em volta do estuário do rio Minho, com o monte de Santa Tecla impondo-se na margem espanhola, na nossa o casario, o seu forte e à minha frente, a foz, o cabedelo, escondendo o mar, adivinhando-se o constante bater das ondas, toda a paisagem a transmitir a sua beleza, acrescentando-se os tons do céu, com as nuvens ou princípios de nevoeiro quase sempre uma constante, ficaram para sempre na minha retina, pela singularidade do momento.

            Regressei várias vezes a este cenário, resistente ao passar dos anos. Como turista fui conhecendo os serviços de restauração, as tabacarias e as vendas de jornais. Por razões afectivas envolvi-me mais na vila, passei a conhecer melhor as suas ruas, os seus monumentos, as suas casas, embora só as fachada, refira-se. Senti a humidade permanente. Passei férias em Moledo. Assisti às invasões semanais dos nossos vizinhos espanhóis, para gáudio dos comerciantes. Avistei as festas anuais, bem minhotas, provocando várias enchentes na vila.

            Ao longo desses anos, percorri algum comércio local. Fui cliente em algumas lojas, noutras apreciei o produto, as montras. Fiquei a saber o nome de alguns comerciantes, daqueles cuja loja não adapta o nome do proprietário. Lojas de rua, ou na galeria comercial. Com situações bem pitorescas, como as drogarias que mantêm o hábito diário de expor os seus produtos no passeio – bilhas de plástico, algumas alfaias agrícolas, bem no centro da vila.

            Um dia, tive que ir ao sapateiro. Saí do terreiro em direcção a poente. Entrei numa galeria e lá estava ao fundo o sapateiro. Quando entrei na loja, uma surpresa, um símbolo da Sanjoanense estava afixado na parede. Não me lembro se era um clássico galhardete, ou um quadro pendurado. Obviamente, dei a conhecer a coincidência ao artesão. Trocamos nomes, apelidos, embora nenhum reconhecesse o do outro. Pouco consegui tirar do homem, pouco dado à conversa. Era curioso, o sapateiro de Caminha ser natural da capital do calçado e imaginei uma diáspora de consertadores de calçado espalhados pelo país fora, ou pelo mundo para os mais aventureiros, como solução laboral para os operários locais, para fazer face à crise no sector, que já então se adivinhava.

            Fiquei sem perceber, qual o rumo de vida deste conterrâneo, penso que nem lhe perguntei, pois estaria a entrar na sua intimidade e a menos que surgisse de forma espontânea, gosto de respeitar a privacidade de cada um.

Às vezes lembro-me desse encontro. Pergunto à minha família residente no Minho, se o sapateiro ainda tem o seu negócio. A resposta nunca é clara, pois a sua loja não é visível da rua. Dá para perceber que arranjos de calçado são raros lá na família. Como eles, muita gente, por isso, não era lá grande ideia os concertos e arranjos de calçado, como ofício para parte da população de S. João da Madeira, desde sempre ligada a esse sector.

A melhoria de competências, a reconversão é mesmo a melhor solução para a população activa.

             

(a publicar dia 06/01/10)

              

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