quarta-feira, janeiro 27, 2010

VIsita II parte

Antes de abrir a porta do seu apartamento, Ana olhou para o aspecto da sala, compôs o sofá e, em seguida, tirou a camisola de trazer por casa que trazia vestida, foi a correr ao seu quarto trocá-la por uma mais decente. Olhou para o espelho para ver o seu aspecto. Corrigiu o cabelo, mexeu na face, para obter uma cor e dirigiu-se para a porta, intrigada.
Beto não carregara na campainha. Com os dedos bateu suavemente na porta. Cumprimentaram-se com dois beijos. Beto nunca sabia quais as amigas que cumprimentava com um ou dois beijos, com excepção desta, pelo que não hesitou entre o primeiro e o segundo. Beto falava muito baixinho. Ana convidou-o a entrar para a sala. Cedendo a passagem a Ana, Beto reparou na sua camisola, não deixando de comentar com ela como estava elegante. Ana sorriu, reparando que Beto estava um pouco esquisito. Ofereceu-lhe uma bebida, ao que Beto respondeu água. Enquanto esperava pela bebida, Beto olhou para o telemóvel. Ana entrou e respondeu às questões do amigo, relacionadas com o seu filho, a sua vida como progenitora a solo, o paradeiro do seu ex-companheiro, além de pormenores da sua vida profissional e pessoal. Ana continuava com a ideia de que Beto não estava bem. Não lhe pareceu sob efeito de álcool e sabia que a sua visita não consumia drogas, no entanto, parecia-lhe que Beto estava demasiado ansioso, nervoso. Por isso, interrompeu-lhe o questionário, perguntando-lhe o óbvio, o que fazia ele por ali, longe de casa, numa noite de semana?
- Para ser sincero – disse Beto, levantando-se do sofá e dirigindo-se para a estante escura, onde Ana arrumava os livros – fiz estes duzentos quilómetros porque precisava de estar contigo.
Ana ficou duplamente sobressaltada. A resposta incomodou-a e viu Beto a pegar no livro que andava a ler, precisamente. Beto voltou com o livro na mão para junto dela, sentou-se muito perto de Ana e foi respondendo às questões da curiosa Ana. As suas explicações não tranquilizaram a amiga. Ana insistia em obter melhores explicações e percebeu que a vida de Beto Rouquinho estava uma grande confusão. Segundo ele, tudo lhe corria mal, queria começar uma vida nova. Pegou no livro, leu o título alto e perguntou a Ana sobre o livro. Esta engasgou-se, dizendo ainda não o ter lido, que andava a ler um outro autor, que estava no seu quarto. Recompôs-se e assertivamente voltou ao tema da visita do amigo
Beto pousou o livro no sofá, fixando os olhos nos de Ana Maravilha. Viu a amiga ficar menos tensa. Olhou para os seus lábios e não desviava os olhos deles. Ana falava-lhe, procurando argumentar com os aspectos positivos da vida do amigo e este seguia os movimentos da sua boca. Aproximou a sua cabeça um pouco mais de Ana e fixou os seus olhos nos dela. Um par fixo no outro. Ana sentiu apreensão por aquele momento. Procurou desviar o olhar de Beto, só que este se não a olhava nos olhos, seguia a sua boca. Beto não resistiu e arriscou beijar Ana. Esta tentou esquivar-se. Beto afastou-se um pouco e pediu-lhe: Não me faças isso, Ana.
Os lábios de Ana estavam um pouco secos. Enquanto durou o segundo beijo, Beto sentiu os lábios da sua amiga a humedecerem. Ana estava envergonhada, queria que aquilo terminasse rapidamente. Precisava de pensar no que lhe estava a acontecer. Beto parou, encostou-se no sofá suspirando. Ana aproveitou aquela pausa para se recompor. Disse a Beto que precisava de um pouco de ar e saiu da sala, indo espreitar o seu filho. Quando regressou, Beto estava na mesma posição, com os olhos fechados, dir-se-ia dormindo. Ana sentou-se ao seu lado e como ele não reagiu, percebeu que ele adormecera. Voltou a sair para ir buscar uma manta, para o aconchegar. Nesse momento, tocou o telemóvel de Beto. Ana pensou que este atenderia rapidamente e ficou admirada com o segundo toque. Mais admirada ficou com o terceiro e ao quarto toque foi a correr à sala, puxando a porta atrás de si. Beto não se mexera. Sonho profundo, pensou Ana. O telefone parara de tocar. Ao abeirar-se dele, Ana ficou estática. Pressentiu o pior. A expressão da cara de Alberto mudara. O telemóvel de Beto acabava de receber um sms. Ana tocou-lhe, para este acordar. Olhou para o seu abdómen e não viu movimento. Procurou sentir as suas pulsações. Deu um grito agoniado.
Enquanto esperava pelo INEM, Ana tirou o telemóvel de Beto da sua algibeira. Olhou para o mostrador: vinte e sete chamadas não atendidas e 10 sms recebidos. Tinha que partilhar a sua angústia com alguém. Verificou a origem das chamadas e das mensagens recebidas. Todas de Dulce, esposa de Alberto Rouquinho. As luzes da ambulância viam-se pela janela. Ana arrumou o livro retirado na estante, abriu a porta e indicou onde estava o amigo. O corpo foi retirado da sala para possível reanimação, a pedido de Ana, preocupada com o eventual acordar do seu filho. O médico do INEM perguntou o grau de parentesco e Ana ficou sem saber o que dizer. Amiga, apenas amiga – disse. A má notícia tinha que ser anunciada à família. Ana tentou esquivar-se mas, ao ver o sorriso malicioso do médico, percebeu que não tinha como evitar mal entendidos

(a publicar dia 28/01/10)

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