terça-feira, outubro 30, 2012

Por este rio acima

 

Curiosa coincidência, li de forma sequencial três livros de escritores da comunidade local: Adão Cruz, Eva Cruz e Tiago Moita. Pela ordem inversa, pois o livro deste último havia-o adquirido em Abril, só que atrasei o início da sua leitura até Setembro.

Não tenciono fazer qualquer crítica literária às obras publicadas, nem tenho essa pretensão. O objetivo deste texto é referenciar a criatividade dos autores e enaltecer a publicação em livro dos seus trabalhos como escritores. O livro de Adão Cruz, “Vai o rio no estuário”, inspirou-me o título para este artigo. Segurei-me numa música de Fausto Bordalo Dias, baseada na Peregrinação de Fernão Mendes Pinto.

Inverti o caudal ao rio, parti para montante.

A grande maturidade da poesia de Adão Cruz é patente na forma de apresentação dos poemas. Sem métrica predefinida, sem rima consagrada, obrigando o leitor a fazer pausas, exigindo-lhe encontrar nas palavras o sentido da poesia. Os poemas editados são lidos com um grande fôlego. Sustem-se a respiração pela intimidade destapada. Fica-se em apneia na sucessão de versos. Ao reencontrarmos o rio, o seu silêncio, temas transversais ao longo da sua obra, sentimos o conforto da poesia. Volta-se ao início do poema, relê-se, interioriza-se, entre avanços e recuos, deixamos o estuário.

As estâncias termais pressupõem as rotinas diárias. Os tratamentos, as refeições, os momentos de lazer, de convívio e os tempos entre uma coisa e outra. Quem já “fez” termas, hospedado por temporadas, identifica-se com o livro de Eva Cruz. Encontra nas suas descrições, os momentos por si vividos. A chegada, o reencontro com conhecidos, a identificação das mudanças, o lamento das ausências e a troca de outras informações pertinentes sobre os demais, são rituais termais. O enquadramento na montanha, o rio, numa fase mais aguerrida, mais jovem, são lugares comuns no imaginário dos frequentadores de quaisquer termas. “Corconte” é isto tudo e é na verdade portador de um nome enigmático, que permite várias interpretações.

O “Último Império” de Tiago Moita recupera a história nacional. A fundação do reino, a presença dos templários na reconquista, o reinado de D. Dinis, a batalha de Alcácer Quibir, a acusação ao Padre António Vieira são acontecimentos revisitados e reescritos à luz da interpretação do autor. No livro são explicadas várias correntes da parapsicologia e interligadas com o decorrer da ação. Tudo isto numa centena de capítulos, onde os personagens vão descobrindo vários mistérios. A sequenciação dos capítulos está muito bem conseguida, a narrativa vai aproximando os personagens - cada qual vai entrando na estória em capítulos próprios e por motivos diversos – e cada ação individual é interrompida no final de cada capítulo, entrando a narração para outro personagem.

O rio de Fernão Mendes Pinto, evidenciando com o relato da sua viagem, em pleno século XVI, a não existência de qualquer império digno desse nome, sob a bandeira da coroa nacional. Por vezes, esquecemo-nos da Peregrinação.

Tiago Moita procurou outra via e encontrou uma resolução interessante para o Quinto Império.

Morreu Eurico Alves, homem de palavras. Sempre pronto para homenagear os que partiram antes dele. Passei muitas horas da minha vida entre as ruas do Barroco e a Benjamim Araújo, por isso, cruzei-me com ele várias vezes. Aprendi a respeitar a sua escrita. A forma poética como descrevia os almoços da tertúlia, era bem recebida e ficarão para sempre na memória da cidade.          

 

(a publicar no dia 01/11/12)