quarta-feira, abril 24, 2013

Memórias de um escritor

            Regressei a Aquilino Ribeiro.
Tinha obtido como referência tratar-se de uma obra imperdível - Um escritor confessa-se. Num final de noite, procurei-o na prateleira da sala lá de casa, na colecção de obras completas do escritor. Uma colectânea de romances, todos com a mesma capa castanha, com a lombada em numeração romana, distinguindo-se assim uns dos outros. Para obter o título de cada volume, tive que abrir a capa, para verificar no interior o seu nome. Um por um, procurei em vão. Voltei passado uns dias, com mais tempo e continuei sem sucesso. Não tinha visto mal e afinal faltava ali um importante título da obra de Aquilino Ribeiro.
Mal tive oportunidade, requisitei-o.
Uma das primeiras edições, de 1972, de tiragem reduzida, 350 exemplares, vendidos a duzentos escudos cada. 
No final do primeiro capítulo, percebi logo o que tinha entre mãos. Duma assentada, fiquei preso ao enredo da biografia do escritor. A sua autobiografia, os seus passos na sua instrução, a sua desilusão no seminário, os primeiros dias em Lisboa, o regresso à serra da Nave, de volta à Lisboa pré-republicana, a sua prisão e desterro à espera da revolução de 1910. Um consolo.
Em menos de quatro dias, mesmo cumprindo as minhas obrigações profissionais, pessoais, sociais, domésticas e claro, familiares, sorvi as palavras de Aquilino Ribeiro, mesmo aquelas que o caracterizavam, os neologismos, ou o seu português arcaico de inspiração popular. A coragem demonstrada em campanha revolucionária, a audácia na fuga da prisão e posteriormente o desmascarar dos hipotéticos regicidas são um excelente exemplo da capacidade narrativa do escritor. A isto junte-se o período em Beja, o regime hipócrita do seminário e a sua evidente falta de fé. Os argumentos teológicos expostos e a capacidade de os contrapor, através da metafísica, demonstravam a sua capacidade de estudo, de assimilação e oratória. Uma verdadeira tese, sempre importante para todos os que começam a ter dúvidas.
Outra vantagem de ler Aquilino, é ter um contacto com a evolução social e histórica das aldeias portuguesas, é perceber como durante séculos, nenhuma evolução por ali existiu, nada aconteceu, nem uma estrada foi construída a ligar as aldeias entre si, ou às vilas sede concelho. Perceber isto, é entender as rivalidades entre “os povos de cada aldeia”, segundo palavras do escritor.
Pelo meio da leitura, fui bombardeado pela notícia da semana: a saída do Dr. Castro Almeida para o Governo.
(Isto entra um pouco à pressão.)
Vão ser feitos vários balanços: as obras herdadas e concluídas, as obras lançadas e concluídas ou quase, pois também as há, assim como, as lançadas e não começadas, onde destaco a nova piscina interior.
Nem só de obra se faz um balanço do mandato agora interrompido.
Para quem, como eu, escreveu várias vezes, argumentando o melhor que sabia, opondo-me a algumas medidas, criticando opções, estudando e apresentando alternativas, lutando contra o unanimismo, nunca tendo sentido qualquer agressividade por parte do executivo, nem dos militantes do partido do poder autárquico, só posso realçar a convivência democrática.
A causa pública é assunto recorrente dos meus textos, a vontade em fazer-me ouvir, sem ninguém temer, permitem-me verificar que as palavras dos mestres da literatura nacional, que tanto aprecio, foram assimiladas a preceito.
 
(a publicar no dia 26/04/2013 )
 

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