Existe um limite a partir do qual a cultura norte - americana deixa de fazer sentido. Longe dos tops, das listas de mais vendidos, afastada dos holofotes da ribalta, das multidões de seguidores, sem a perseguição de fãs imitadores, ou irritantes. O modo de criação surge, o gosto pelas artes é disperso e a vida privada é recatada, sem aparecimento público digno de registo, com exceção, numa qualquer atuação própria, ou em parceria artística. São os anti— heróis norte - americanos. Das mais variadas artes, com carreiras extraordinárias, com reconhecimento mundial, que convivem com a fama, vivendo longe dela, procurando ter espaço para criar, para produzir arte, sem a obrigação comercial inerente.
Um dos mais conhecidos artistas desta forma de estar americana, foi Lou Reed. Faleceu domingo de manhã, ironicamente, o título da sua mais bela música.
A carreira do músico foi revista por estes dias. Referências ao seu início musical, em especial, à fundação nos anos 60 dos Velvet Underground, uma banda mítica, inspiradora de correntes musicais nas décadas seguintes, provando ser o falecido músico um precursor na cena musical. A sua carreira a solo começou da melhor forma, em 1972 lança dois álbuns, um dos quais, “Transformer”, contém os 3 êxitos musicais, pelos quais Lou Reed é mais conhecido: Walk on the wild side, Satellite of love e Perfect day.
Os quarenta anos de carreira posteriores foram profícuos, com mais de vinte álbuns de estúdio. Uma edição regular, longe da ribalta, com exceção do encantador “New York”, um dos 20 melhores discos representativos da década de 80, segundo a insuspeita revista Rolling Stone.
Este foi o seu disco que mais me marcou. Comprei-o em 1989, poucas semanas depois da sua edição mundial. Ouvi o lado 1. Virei-o. Devo ter limpo o vinil, coloquei a agulha na posição correta. Tocou o lado 2. Não havia um refrão para trautear. Ouvi novamente os dois lados. Nada para fixar e no entanto, o conjunto era encantador. Tocou vezes sem conta no hi-fi familiar. Cheguei a emprestá-lo a amigos, para as reproduções em cassete, ou a gravá-lo para quem mo pedisse. Práticas bem balizadas no tempo, provavelmente não entendidas na era mediática atual. Com “New York” a minha noção da música norte-americana redefiniu-se e comecei a ser consumidor seletivo de outras produções artísticas daquele país, com todo o preconceito cultural inerente.
O fascínio de Lou Reed, ao longo destes anos, pode-se resumir no seu feitio difícil, excêntrico. Pode ser mencionada a sua rebeldia, o seu não alinhamento cultural. O ser esquisito ou estranho, como foi catalogado. Será recordado, é certo, como um excelente músico.
Emir Kusturica, realizador… vá lá… Sérvio, a propósito do título do seu filme Underground, explicava a alegoria dos seres que viveram 30 anos em subterrâneos Jugoslavos, sem saber que a 2ª Guerra Mundial tinha terminado. Para vincar a ideia refere que, também Lou Reed viveu sempre “underground”, uma referência à sua origem musical e obviamente à sua forma de estar.
Lou Reed cantou pelo respeito pelas diferenças, escreveu pela indiferença à realidade, pela irreverência ao quotidiano burguês, pela necessidade de expressão da clandestinidade urbana e conseguiu na sua longínqua carreira, ser admirado por ser sempre fiel a si próprio, vivendo à margem do sucesso.
(a publicar no dia 31/10/13)
Sem comentários:
Enviar um comentário